sexta-feira, 28 de setembro de 2007

FUMO BRANCO

Com a "febre" das directas para eleger o líder, os nossos hóspedes parece que se evaporaram, não que sejam todos militantes do P.S.D., mas, tenho que admitir que o nosso concelho é maioritariamente social-democrata. Não vejo grande vantagem nisso porque, desde há praticamente vinte anos que nos governam e nem por isso nos podemos considerar satisfeitos. Por esse motivo, a Susana não teve muito que fazer na cozinha (dois ou três jantares servidos, não são motivo de desespero para uma cozinheira que, em média, elabora 50 refeições por dia) e decidiu relaxar um pouco no bar da pensão. Ainda estava com vontade de subir até aos seus aposentos mas, a meu pedido, ficou mais um bocado para beber um digestivo como ela tanto gosta.
Enquanto conversávamos acerca da actual crise da Birmânia e sobre a (violenta) actuação da junta militar sobre os monges e as manifestações pacíficas que fazem nas ruas daquele país, entra na pensão um indivíduo, todo vestido de cabedal, com botas de quem não anda de carro e com um capacete integral "enfiado" no braço. Comentei logo com a Susana que, eventualmente, se tratava de alguém que pretendia passar um fim-de-semana em Penacova e, por tal facto, escolhera a pensão para pernoitar.
A cara daquele sujeito era simpática, reparei que ostentava um discreto crucifixo ao peito e que a sua expressão era tranquila como se de um sacerdote se tratasse. Ainda nos rimos os dois, eu e a Susana, um bocadinho, por ter pensado que se tratava de uma aparição.
Abeirou-se do balcão do bar da pensão e pediu um café pingado e um pastel de Lorvão. Dispensou o açúcar e ia dando uma pequenas trincas no já de si pequeno pastel. Olhava para todo o lado, fixando o olhar nas fotografias sobre Penacova, que a D. Rosalinda fazia questão de manter penduradas na parede, pois retratavam uma Penacova bonita, bem tratada e acarinhada, num tempo em que os aristas nos visitavam ano após ano, sem se cansarem, para descansar.
A Susana, não conseguia esconder a curiosidade acerca da identidade do indivíduo. Cara nova, bem parecido, não muito novo mas também não muito velho, quem sabe a pessoa ideal para conversar um bocado sobre as coisas mais bonitas deste mundo, já que a cara do sujeito inspirava confiança e tranquilidade.
Como era bom de ver, a Susana não se conteve e, sem conseguir trincar a língua, tratou logo de meter conversa com o forasteiro. Invariavelmente começou a falar do tempo, que estava muito agradável para a época e que em Penacova, com o rio a seus pés, apetecia sempre acordar com o sol a nascer na Serra da Atalhada e inspirar fortemente até encher os pulmões com o ar fresco da neblina, tão frequente neste vale. O indivíduo não se fez rogado e, simpaticamente, apanhou a deixa e começou também a falar, por momentos, do tempo mas, minutos após, rapidamente mudou de assunto, procurando saber se as pessoas daqui eram religiosamente praticantes.
A Susana respondeu que, devido ao seu trabalho, não tinha muito tempo para praticar a religião que conhecera desde a pia ba(p)tismal. Além disso, também referiu que o pároco de Penacova, não era uma pessoa que, no seu entender, compreendesse muito bem os dias de hoje, as necessidades dos jovens, dos menos jovens e dos mais velhos. Tentou transmitir-lhe a ideia de que não era católica particante porque não gostava do padre.
A conversa começou a interessar-me. Tanto que até deixei cair um copo que, devido à, boa ou má, qualidade, não se chegou a quebrar.
Não me contive e entrei na conversa.
- Mas meu caro, não sei a sua graça, mas reparei que se preocupa com os assuntos da alma. - disse eu.
- Tem razão meu caro, desculpe a indelicadeza. Chamo-me Rodolfo Leite, sou o novo pároco de Penacova e um dos meus hobbies preferidos é andar de mota.
- De facto, há coisas fantásticas!!! - exclamou a Susana muito surpreendida com a revelação - Ainda há pouco estávamos a falar do assunto e, sem saber, encontrava-me perante um sacerdote.
- É verdade D.....- respondeu ele procurando saber o seu nome.
- Susana. - respondi eu - A melhor cozinheira que o Sr. alguma vez encontrará na região.
- É verdade D. Susana - disse novamente o novo pároco -, na maior parte das vezes avaliamos as pessoas pelo aspecto que têm e caímos do erro de as julgarmos pela aparência.
- Mas Sr. padre, se você for tão bom a dizer missa como aparenta, juro-lhe que não vou faltar a uma homilia sua. - disse a Susana com entusiasmo.
- Quanto a mim - disse-lhe eu - já ficaria muito feliz se o Sr. organizasse por cá uma concentração motard.
- A ver vamos, Sr....
- Mário. - respondi eu
- Até lá, ainda tenho que me debruçar sobre os assuntos da fé que, pelo que vejo, não é muito apelativa por esta zona. - respondeu ele.
- Pode ser que assim consiga mais seguidores. - disse a Susana embevecida com a ideia de poder vir a fazer parte do coro.
- Bom, não vos quero maçar mais.- disse o padre já de novo com o capacete enfiado no braço - Tenho que descansar porque temos à porta o fim-de-semana da estreia.
- Bem-haja Sr. padre, durma bem e não caia da sua mota abaixo. - disse eu gracejando.
Aproveitando a despedida, a Susana resolveu subir até ao quarto, talvez a pensar nas orações que tem que reaprender, para não fazer má figura e, quem sabe, a pensar na possiblidade de tentar aprender a andar de mota. Tudo é possível, pensei eu, com um pouco de fé.

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