quarta-feira, 31 de outubro de 2007

ALICE NO PAÍS DOS COITADINHOS

Já fui professor. Às vezes erro em escrever com letra maiúscula o "P" inicial. A sua condição tem-se dado às maiores menorizações...
Quando venho à Pensão Viseu, e quando tenho possibilidade, falo um pouco com a menina Alice.
- Então, Alice, agora podes faltar à escola que ninguém se chateia, não é!?
- Pois é, senhor Arquitecto! E até temos oportunidade para recuperar no final do ano. Fazem-nos uma prova global ou um exame, ou lá o que é e podemos passar! É fixe!
- É fixe!? Bom, parece-te justo que não indo às aulas, não querendo saber da escola, te seja dada (por hipotese no caso, porque sei que não és de faltar) a possibilidade de num exame poderes passar, deitando por terra todo um esforço que os teus professores fizeram ao longo de um ano lectivo!? Olha, Alice, ainda és nova, mas a isso chama-se a cultura dos coitadinhos e do facilitismo. Por agora parece, segundo uns iluminados, uma coisa maravilhosa, uma ideia peregrina e cheia de boas intenções. O problema é daqui a uns anos. A factura vai ser paga com juros!...
Alice encolheu os ombros e ficou calada!
Tavez eu tenha exagerado, talvez tenha dito algo que ela não percebeu, talvez!
Temo ter "matado" o sonho de Alice e de muitas Alices neste país de maravilhas. Sou, portanto, uma grandecíssima, insensível e senhorial besta.

POR FIM, ENFIM, NUNCA MAIS

A D. Rosalinda abordou-me no sentido de me perguntar se eu estaria interessado em aprender algo mais acerca do "maravilhoso mundo dos vinhos".
- Bom D. Rosalinda, como recepcionista que sou, não vejo que me possa ser muito útil adquirir conhecimentos mais alargados nessa área.
- Mas está redondamente enganado Mário, hoje em dia, qualquer pessoa que trabalhe numa pensão com as características na "nossa", deverá estar preparado para acorrer a qualquer situação, sempre que lhe seja solicitado.
- Tem toda a razão D. Rosalinda, mais do que nunca, ter um conhecimento alargado sobre as práticas de bem servir e receber que fazem parte do mundo da restauração e do alojamento, são uma necessidade face à concorrência cada vez maior.
- Mas Mário, não se preocupe com a concorrência porque, a maior unidade hoteleira da nossa terra, o Hotel Palacete do Mondego, vai encerrar definitivamente.
- Não diga uma coisa dessas D. Rosalinda!!!
- Verdade Mário, as negociações que estavam a decorrer entre a Santa Casa da Misericórdia e o grupo de ingleses que se mostrou disponível para gerir aquele complexo, não levaram a lado algum por, segundo se diz, aquela instituição ter pedido um preço demasidado elevado.
- Bom, nesse caso, não existe esperança para aquele magnífico hotel.
- Pelo menos é essa a realidade ventilada.
- Mas D. Rosalinda, a Cristina, como chefe de sala da pensão, não satisfaz as exigências dos clientes na área da restauração?
- Claro que faz Mário, não o vai é fazer aqui por muito mais tempo porque está decidida a emigrar para a Inglaterra, onde irá trabalhar para um grande grupo hoteleiro.
- Pois agora percebo porque motivo é que a Srª. está a propor-me um aprofundamento de conhecimentos acerca do "néctar dos deuses".
- Naturalmente que sim meu caro e, se aceitar, poderei inscrevê-lo, desde já, no Curso de Iniciação à Prova de Vinhos que vai decorrer nos dias 23 e 24 de Novembro no Hotel Moliceiro em Aveiro.
- Bom D. Rosalinda, nesse caso, aceito o convite com todo o gosto.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

PORTUGAL MARRÃO

- Será que o novo estatuto do aluno vai trazer ao ensino aquela utilidade que se pretende ou vai apenas ser mais uma tentativa falhada de "preparar" os estudantes para a vida activa? - perguntou o Paulo
- Não sei bem meu caro, apenas considero que as mudanças eram necessárias, como era necessário também inverter a tendência de crescente desinteresse com que os nossos jovens encaravam o ensino - respondi
- Eu lembro-me de, nos meus tempos de liceu, ainda no 11º ano, não saber muito bem que curso havia de escolher. Era um completo desnorte, parecia que andava para ali com os livros debaixo do braço. O que me preocupava era o 2º toque para, partir dali, poder ficar descansado durante 45 minutos.
- Também me recordo dessa situação. Lembro-me inclusivamente de ouvir falar constantemente na Escola Avelar Brotero quando o mote eram os cursos que preparavam os alunos para exercerem uma profissão.
- Mas Mário, tudo isso acabou com o 25 de Abril. O tempo das liberdades perdidas tinha passado à história e os jovens pretendiam afirmar-se a todo o custo e, por norma, a rebeldia, a provocação, o confronto e a contestação, eram as formas mais comuns de dizer basta.
- Tens razão Paulo, os tempos foram de pós-revolução onde uma geração inteira andava à procura de um rumo que os nossos governantes não souberam traçar, preocupados que estavam em apagar tudo o que cheirasse a Estado Novo, fosse bom ou fosse mau. Curiosamente, com esta nova perspectiva, está-se a tentar recuperar o tempo perdido, apostando principalmente nos cursos profissionalizantes e na responsabilização das escolas no que diz respeito ao resultado obtido pelos alunos.
- Não só mas também - disse Paulo -. Como podes verificar, o aumento dos poderes dos professores para com os alunos e a exigência de um maior envolvimento dos pais no percurso dos filhos é pelo governo considerado como a chave para o sucesso .
- Sim, estou a ver que todos chegaram à conclusão de que é necessário dar um forte empurrão ao ensino para que o nosso país não continue a ser aquele onde os jovens passam menos tempo a estudar. Só resta saber se o todo da sociedade acompanha esta preocupação e se os responsáveis pelo ensino, tanto a nível nacional, regional ou local, se comprometem, sem políticas e oportunismos eleitoralistas, a criar infra-estruturas capazes e dignas que permitam alcançar esses objectivos.
- Só espero que, a partir do momento em que não seja possível chumbar os alunos faltosos e expulsar os que constituem casos mais problemáticos, exista coragem para, de certa forma, os reeducar. - disse o Paulo
- Creio que, por parte dos governantes, é a derradeira tentativa de formar os portugueses obrigando-os, mesmo que eles não queiram, a terem sucesso escolar. - disse eu
- Pois é - disse o Paulo -, Portugal tem, a todo o custo, que atingir os objectivos propostos, só não sei se, pelo meio, não vão existir passagens administrativas, tipo aquela acerca da qual se falou bastante e de repente se deixou de falar.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

MESMO AO PÉ DA PORTA

- Nunca pensei que nesta pacata terra, alguma vez sentíssemos receio pela nossa integridade física e pelos nossos haveres - disse a Luísa.
- Como assim? - perguntou a Susana.
- Então não queres saber que, durante a noite passada, uns meliantes pegaram fogo a uma série de contentores do lixo e à camioneta de transporte dos "Móveis Viseu". - responde a Luísa
- Mas isso é terrível!!! - exclamou a Susana indignada - Nunca, nem no pós 25 de Abril, altura em que as coisas andavam mais agitadas, tiveram lugar tais actos de vandalismo.
Entretanto chega à cozinha a D. Rosalinda que, ao vê-las tão atormentadas, de imediato lhes perguntou o que se passava.
- Não é possível!!!! - exclamou igualmente - Mas o que é que os agentes de autoridade andam a fazer? - perguntou ela indignada.
- Olhe D. Rosalinda - disse a Susana -, andam a fazer o que sempre fizeram desde que há relatos que, no fundo da vila, recrudescem os actos de vandalismo, com arrombamento de portas, danos no património quer público que privado, distúrbios nocturnos e algazarras constantes.
- Aí mais devagar Susana - disse a D. Rosalinda -, os agentes de autoridade actuam quando para isso são solicitados e, claro, não podem adivinhar o que vai acontecer.
- Claro que não D. Rosalinda mas, se já sabem da frequência com que acontecem esses incidentes, então, a meu ver, deviam levar a cabo acções de vigilância para evitar que se repitam situações dessa natureza. - disse a Susana
- Ninguém os vê durante a noite - disse a Luísa -, apenas durante o dia, à caça da multa e da ocorrência fácil.
- Sim, aí tens razão - disse a D. Rosalinda -, não existe prevenção, apenas reacção e, depois queixam-se quando as pessoas se insurgem contra o estado das coisas e vêem para a rua manifestar-se contra tudo e contra todos.
- Mas D. Rosalinda, não é o presidente da autarquia quem deve zelar pela manutenção da ordem pública e pela estratégia para dissuadir a criminalidade.
- Não sei se é a ele que cabe zelar pela manutenção da ordem pública mas, pelo menos, é ele quem preside ao conselho municipal de segurança, a quem cabe formular propostas de solução para os problemas de marginalidade e da falta de segurança dos cidadãos do município, bem como participar em acções de prevenção através da consulta entre todas as entidades que o constituem. - explicou a D. Rosalinda.
- Puxa D. Rosalinda, a Srª. está muito bem informada!!! - disse a Cristina muito admirada.
- Sabe minha cara, nesta coisa das competências e do funcionamento dos municípios, temos que estar sempre atentos e bem informados para que, quando chegar a altura de olharmos pelos nossos interesses, não sermos apanhados desprevenidos. Além disso - continuou a D. Rosalinda -, as questões da segurança afectam-nos a todos e principalmente a quem tem uma casa aberta e acolhe os que nos pretendam visitar, sejam conhecidos ou desconhecidos.
- Pois é - disse eu entretanto chegado à cozinha, preocupado com a demora do jantar -, o desconhecimento das leis não aproveitam a ninguém, por isso, quando dizemos que não fizemos determinada coisa por desconhecermos as normas que nos regem só nos prejudicamos, pois temos obrigação de as conhecer.
- Ainda bem que chegou Mário - disse a Susana -, estávamos aqui a falar acerca da balbúrdia que foi a noite passada.
- Pois é, foi uma situação muito desagradável e, mais uma vez, coincide com a abertura do ano lectivo, até parece que estamos num subúrbio citadino, onde reina a Lei do mais forte e onde as pessoas se escondem atrás das cortinas com medo de serem identificadas pelos prevaricadores não denunciando, por isso, os atentados à sua segurança e tranquilidade. - disse eu
- Coincidências a mais para meu gosto e que contrariam tudo aquilo que fundamentou a minha educação. No meu tempo, quando o meu pai falava, apenas o ouvia, cabisbaixa, sem me atrever a olhar-lhe nos olhos. - disse a D. Rosalinda enquanto se afastava para receber os novos hóspedes que, entretanto, acabaram de chegar.

domingo, 28 de outubro de 2007

O MUNDO NO DOMINGO DE MANHÃ

Quando decido pernoitar na Pensão, quando acordo, dá-me sempre vontade de ler a imprensa do dia!
Não costumo perder tempo com as futeboladas da pátria. Nutro por elas algum desprezo, na medida em que são uma coutada falida, onde umas quantas aves de arribação e rapina, tratam das suas vidas. Por isso, passo por cima dos desportivos como cão em vinha vindimada!
Mas o que retive dos dias, foi o balanço nacional-patriótico que foi feito desta semana de glórias, desde a pretérita cimeira do "Porreiro, pá!" até à encomiástica visita do senhor Vladimir Putin, o Czar das Rússias e à cimeira dos sinos de Mafra.
A União Europeia, feita importante, ficou a pensar que Putin quer verdadeiramente o que propôs, seja em matéria de direitos humanos, seja lá sobre o que for.
Coitada e pobre ingénua!
O Sr. Putin quer apenas manter o seu statos quo, pouco importado com as "demandas de Bruxelas", mais preocupado, certamente, em remontar a Rússia como potência político-económico-militar, face ao crescendo Chinês e Indiano. A Europa pouco lhe interessará.
Talvez lhe interesse mantê-la quieta e pouco poeirenta, de modo a não lhe turvar a visão reconstrutiva.
O resto, serão lérias!

sábado, 27 de outubro de 2007

ARREFECIVENTO GLOBAL

- Sabe D. Rosalinda, o actual prémio Nobel da Paz, na visita que fez a Espanha, previu, entre outras coisas, que devido ao aquecimento global, o sul e o interior de Portugal correm sérios riscos de desertificação.
- Nesse caso Mário, o nível das águas do Mondego, vai descer ainda mais não existindo por isso, o risco de ficarmos sem areal, diria até que vamos ficar com areal a mais.
- Talvez não fosse má ideia começarmos a pensar num novo cartaz publicitário.
- E tem alguma ideia Mário?
- Olhe D. Rosalinda, estive aqui a dar uma vista de olhos e acho que encontrei um que se adapta perfeitamente à situação.

I

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

PUTINISSES - TENTATIVAS DE APROXIMAÇÃO

- Claro que eu não considero Vladimir Putin um indivíduo sem escrúpulos, antes pelo contrário. - dizia o Paulo
- Eu também não acho que ele seja aquilo que alguns ocidentais consideram que ele seja. Penso até que ele se saiu muito bem como restruturador de uma nação que, em tempos, conseguiu apavorar meio mundo e que agora apenas quer solidificar a sua presença numa zona geograficamente instável e, aí sim, propícia ao aparecimento de forças destabilizadoras que poderiam ameaçar a tranquilidade desejada naquela parte do globo. - disse eu
- Fazia falta alguém que conseguisse restituir o orgulho a um povo que a única coisa que tinha, eram os destroços de um "império" governado pelos ideais marxistas que, com Gorbatchev, começaram a perder e com Iéltsin viram desaparecer por completo. - disse o Paulo
- Agora, não sabendo muito bem o que havia de recuperar para restituir o orgulho ao seu povo, ressuscitou o passado monárquico e toda a sua grandiosidade, como aliás é fácil de perceber pela a exposição que inaugurou hoje no Palácio da Ajuda, em Lisboa, bem como todas as estruturas e organismos que deram à ex-U.R.S.S. o prestígio de que gozou durante as décadas do comunismo russo. - disse eu
- Mas mais curioso ainda, é que aceitou candidatar-se a primeiro-ministro para assim poder continuar a conduzir os destinos da Rússia e se poder candidatar a presidente daquele país em 2012, "caso a situação do país o exija", claro está. - continuou Paulo enquanto bebericava a última gota de whisky que ainda restava no copo.
- Só demonstra então, que o povo russo não abdica de um "imperador" que lhe garanta continuidade política e unidade territorial, numa altura em que a necessidade de uma nação tampão, capaz de forçar a estabilidade naquela zona do globo, é cada vez mais uma realidade. - disse eu tentado abrir a última garrafa do scotch preferido do Paulo.
- Não fosse o poder crescente da Rússia e a sua cada vez maior influência naquela região, já os E.U.A. teriam invadido o Irão e a Coreia do Norte e a Turquia invadido o curdistão iraquiano. - disse Paulo
- Mas Paulo, gostei da proposta que Putin lançou à Europa para que fosse criado um instituto euro-russo para a defesa dos direitos humanos.
- Sim, também achei curioso que um homem, constantemente acusado pelos seus pares, como responsável por violações à liberdade de expressão e de autodeterminação de algumas pessoas e facções consideradas incómodas à sua política, avance com tão ousada iniciativa. - disse Paulo
- Política meu caro, apenas política. - respondi eu deixando escapar um sorriso maroto, como se estivesse a ver aquele cartoon em que Putin aparece caricaturado como um urso pardo a limar as garras.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

O REGRESSO DA MENINA DOS CINCO OLHOS

A menina Alice perguntava à avó, D. Rosalinda, se nas redondezas existia alguma escola católica que pudesse frequentar. Espantada, a D. Rosalinda perguntou-lhe porque motivo fazia aquela pergunta já que sempre estudou em Penacova, desde a pré-escola até ao liceu, e com resultados bastante positivos.
- Sabes avó, o que me leva a fazer-te tal pergunta, tem a ver com o facto de as cinco escolas privadas que alcançaram a média mais alta na primeira fase dos exames nacionais do ensino secundário serem todas católicas.
- Pois é minha querida, mas também são aquelas onde se pagam propinas mais elevadas, portanto, desde logo, uma opção secundária .
- Pois, sendo assim - disse a menina Alice -, não será muito boa ideia ir estudar para uma dessas escolas.
- Além disso - disse a D. Rosalinda -, essas escolas têm características que tu não irias gostar.
- Como assim avó? - perguntou a menina Alice.
- Então repara - respondeu a D. Rosalinda -. O estudo da religião e moral é obrigatória desde o primeiro ano e as meninas e os meninos frequentam turmas independentes, isto é, meninas com meninas e meninos como meninos.
- Quer então dizer que não podia partilhar, por exemplo, a minha carteira com o João ou com o José. - disse algo triste a menina Alice
- Exactamente. - retorquiu a D. Rosalinda
- Mas isso é muito desagradável, parece que uns prejudicam os outros e que só é possível alcançar bons resultados se os rapazes estiverem afastados das raparigas e vice-versa. - disse a menina Alice
- Assim parece minha filha, assim parece. - disse a D. Rosalinda
Ao ouvir a preocupação que a menina Alice manifestava em relação às escolas que mais garantias futuras lhe podiam dar, vieram-me à ideia as conclusões a que chegou o sociólogo americano Cornelius Riordan, e a sua equipa, acerca das vantagens que, no ensino, o formato unissexo tem em relação ao sistema misto.
Tais resultados, revelaram que o sistema unissexo é mais vantajoso, pois não existem problemas de assédio sexual, o plano de estudos é especial, existe mais carga horária e o envolvimento dos pais dos alunos é maior.
- D. Rosalinda, peço desculpa por me intrometer na conversa mas não resisto a manifestar a minha opinião.
- Avance Mário, não tenha problemas - disse a D. Rosalinda -, as suas opiniões são sempre bem-vindas.
- Olhe D. Rosalinda, para mim o formato unissexo poderá ter as suas vantagens relativamente àquele que hoje em dia vigora em maior número no nosso sistema educativo. Do lado das vantagens, pesa a falta de possibilidade que as meninas (adolescentes) têm para se encontrarem com os meninos (adolescentes), quer nos intervalos quer fora deles, evitando assim os encontros sexuais, fortuitos ou não, a partir dos 14 anos de idade no recinto escolar. Do lado das desvantagens, pesa a questão da exclusividade e essa mentalidade traz-me à ideia os colégios internos, as fardas e o (aparente) ar bem comportado dos alunos que os frequentam. Além disso, como a D. Rosalinda muito bem referiu, tal clivagem conduz ao encarecimento do ensino, já de si quase incomportável para uma família de rendimentos médios, criando a ideia de que a aprendizagem e o sucesso está reservado a meia dúzia de privilegiados.
- Tem razão Mário - disse a D. Rosalinda -, o tema, já de si polémico, promete longos e, quiçá, inconclusivos debates, os quais levarão à inevitável conclusão que, se fosse assim tão bom, o sistema unissexo não teria sido abandonado.
- Preferências à parte, o que é certo é que cada vez mais países estão a adoptar o que anteriormente foi banido por ser considerado desadequado. - disse eu -, dessa forma – continuei -, se a tendência for a de dar preferência às escolas unissexo em detrimento das escolas mistas, não me espantará que, daqui a uns anos, as professoras só possam casar com autorização do responsável máximo do ministério da tutela, tal como acontecida no tempo da antiga senhora.
- Tudo pode acontecer - disse gracejando a D. Rosalinda -. Não se esqueça que já houve alguém que previu (magnificamente) o regresso do botas, portanto, não se admire que as coisas possam a voltar ao que eram antes, se esse for considerado o caminho para o sucesso escolar.
- Só espero que não seja com recurso à menina dos cinco olhos que os alunos aprendam, por exemplo, todos os afluentes dos rios portugueses, a tabuada, as províncias ou as estações ferroviárias, como acontecia nesse tempo em que as crianças sabiam, porque a isso eram obrigados. Contudo, não esqueçamos, que na lancheira só levavam um pedaço de pão, que nem sempre era do dia, e metade de uma sardinha da cor da fome.

OUTONO

A D. Rosalinda é uma daquelas pessoas cheias de palavras e gosta de as libertar quando elas lhe enchem o saco das conversas.
- Sabe, Sr. Arquitecto, eu não gosto do Outono. Está tudo muito quieto. Parece que os dias nos andam a dizer para ficarmos mais frios, mais mal dispostos, menos atentos à paisagem... É quase como se nos tivessemos embebedado com o Verão e agora estamos a curar a ressaca dos excessos do estio.
- Oh D. Rosalinda, a senhora faz-me lembrar uma música do Fausto! Não, eu não vou cantar para não a assustar. Deixo-lhe os versos:
"Rosalinda se tu fores à praia,
Se tu fores ver o mar,
Cuidado não te descaia,
O teu pé de catraia,
Em óleo sujo à beira mar!"
- Mas oh senhor Arquitecto, aqui não há mar, só há o Mondego!..
- Bem sei, disse. Mas olhe que junto a ele, tenha cuidado. Ele já esteve mais limpo! Mesmo que não haja óleo, pode haver latas, frigoríficos, fogões, plásticos e outras utilidades...
D. Rosalinda sorriu um pouco amareladamente e vergou-se a um silêncio estranho e com que não contava! Ainda assim, eu rematei para a tentar sossegar:
- Olhe, para combater a sua "azia" outonal, partilho consigo esta imagem, obtida há 2 ou 3 dias, junto ao Mondego, e que nos mostra que esta Penacova é bonita em qualquer altura do ano. Até no Outono que a D. Rosalinda gosta pouco.
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(c) Arquitecto

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terça-feira, 23 de outubro de 2007

RADICAIS LIVRES

Como habitualmente acontece, gosto de visitar o site do nosso município para ficar ao corrente dos eventos que vão tendo lugar neste concelho de Penacova. Na visita que hoje por lá fiz, fiquei agradavelmente surpreendido ao ter conhecimento que, no próximo fim-de-semana junto ao açude do Rio Mondego, quase em frente do Porto da Carvoeira, se vai realizar um evento radical. Designa-se por Freestyle Kayak e a organização está a cargo da Federação Portuguesa de Canoagem, em colaboração com outras entidades a quem caberá, naturalmente, proporcionar o sucesso daquela iniciativa.
Lembrei-me das primeiras "pagaiadas" que dei em cima de um kayak. Na altura, há mais de 20 anos, com outros rapazes da minha idade, recebíamos do prof. Canhão e dos seus assessores, os necessários ensinamentos para nos mantermos o mais tempo possível a flutuar em cima daquela coisa que teimava em não se equilibrar (tipo touro de rodeo). Depois, era como andar de bicicleta, nunca mais de desaprendia e passava a ser um divertimento para todos nós e um desassossego quando ficávamos na areia à espera da nossa vez.
- Imprima um exemplar desse cartaz a cores para afixar no placard da pensão.- disse a D. Rosalinda.
- É já de seguida D. Rosalinda. - respondi de imediato.
- E não se esqueça de o colocar num lugar de destaque, para que os nossos hóspedes tomem conhecimento desse acontecimento. - disse a D. Rosalinda.
- Concerteza D. Rosalinda. - respondi novamente, preocupado em alinhar as folhas na impressora.
- E não se esqueça de avisar a Luísa para preparar os quartos do 2º andar, pois queremos que os participantes fiquem confortavelmente instalados. - continuou a D. Rosalinda
- Fique descansada D. Rosalinda que já está tudo a ser tratado. - respondi eu já com dois pioneses numa mão e com o cartaz na outra em direcção ao placard da pensão.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

CORTANDO O MATO

A Cristina já tinha dado uns passeios por alguns dos sítios mais bonitos de Penacova. Foi ao Reconquinho, ao Penedo do Castro e também ao Mirante, disse-me que andava a tentar construir mentalmente um percurso onde pudesse praticar o seu corta-mato diário. A Cristina é natural de Vildemoinhos, Viseu, terra que viu nascer o nosso mais internacional atleta, Carlos Lopes, por isso, não é de estranhar, que também ela se dedique a praticar a modalidade que fez daquele extraordinário atleta o campeão mundial em 1976, 1984 e 1985.
Hoje, sem excepção, a Cristina saiu por volta das 17 horas em direcção a um desses percursos que entretanto consegui elaborar. Penacova com montes e vales a perder de vista e frescos planos à beira do rio, é óptima para a prática dessas e doutras modalidades fazendo as delícias de qualquer atleta. Em tempos, destacaram-se nesta terra indivíduos que, do nada, conseguiram competir ao lado de importantes nomes do atletismo português, lembro-me do Mário Marcelo, do Mário Linhares e do Fernando Sêco, quando corriam com as cores da Casa do Povo, no tempo do Sr. José Pimentel, eu próprio ainda consegui um 2º lugar numa prova de atletismo que decorreu nas Torres do Mondego, à custa, diz a minha mãe, de um cão que não parava de ladrar atrás de mim (coisas de mãe). Hoje, os clubes dedicam-se mais ao futebol, talvez à procura de uma forma mais rentável que os ajude a sobreviver neste presente incerto para tantas colectividades.
Quando a Cristina saiu, eu e a menina Alice jogávamos a nossa habitual partida de xadrez, reparei que o equipamento que vestia, denotava alguma preocupação em se proteger e em tirar o melhor rendimento do seu desporto de eleição.
- A Cristina vai muito bem equipada! - exclamava a menina Alice
- Claro - disse eu -, se o que ela pretende é obter o máximo rendimento sem se prejudicar fisicamente, então tem que se equipar convenientemente.
Escusado será dizer que o meu pensamento foi com a Cristina o que, naturalmente, provocou um ataque furtivo ao meu Rei, mal protegido, por um (simples) Bispo e um posterior xeque-mate com a Rainha, inocentemente deixada à vontade.
Quando chegou, isto passado 1 hora e meia, a Cristina vinha como devia vir, toda suada e algo cansada, mas não muito, o que me levou a concluir que o seu organismo já estava habituado a percorrer grandes distâncias. Subiu para tomar um duche e, quando desceu, já vinha fresca como um alface, perguntando que obras eram aquelas que estavam a decorrer junto aos bombeiros.
- Olhe Cristina, para lhe ser franco, nem lhe sei dizer muito bem. - respondi
- Parece-me um circuito de manutenção. - disse algo entusiasmada.
- Sim, creio que sim, creio que é algo desse género - esclareci -, mas mesmo que a queira ajudar não consigo porque, no local, não fazem qualquer referência ao que dali vai sair.
- Bom...., mas se estão com intenções de fazer algo desse género, pelo menos, deveriam colocar no local um painel informativo acerca do objectivo daquele movimento de terras, acerca de quem o projectou, por quem está a ser levado a cabo e para quando se prevê a finalização da obra. - disse a Cristina.
- Sabe Cristina, em Penacova pouco se sabe acerca daquilo que se passa, os responsáveis vão fazendo o que consideram mais prioritário e os munícipes, um pouco alheios ao que se passa, vão vendo e tentando adivinhar o que vai acontecendo para depois avaliarem o impacto da nova realidade que, de certa forma, lhes é imposta. - disse eu.
- Sim compreendo, ou melhor, não compreendo mas, tudo bem, para mim é suficiente poder aproveitar estas condições que por aqui existem e praticar o meu desporto preferido, é pena que não exista informação suficiente para quem, não sendo de cá, pretenda aproveitar estas magníficas condições. - disse a Cristina enquanto se afastava para tratar da vida dela, ou melhor, do bem-estar dos nossos hóspedes.

domingo, 21 de outubro de 2007

DE LORVÃO ATÉ AO MAR

A Luísa desceu toda aperaltada como se para uma festa fosse. Perguntei-lhe se ia para algum casamento e ela respondeu (muito bem) que não era necessário um casamento para se "produzir" assim.
Confesso que, por momentos, não conhecia a Luísa que todos os dias vejo vestida de bata e com o cabelo apanhado, hoje parecia-me mais solta, mais fresca e com uma carinha mais laroca. Ainda dizem que um pouco de baton, rímel e alguma maquilhagem não realça aquela beleza que todas as mulheres têm.
- Olhe Mário, vou à missa ao Mosteiro do Lorvão. - disse a Luísa
- Mas a que propósito? - perguntei eu
- Então Mário, não sabe que, naquela vila, durante todo o fim-de-semana, estão decorrer as Festas das Rainhas Teresa e Sancha e que hoje, pelas 11 horas, vai ter lugar uma solene eucaristia, presidida por S. Reverência o Bispo D. Ximenes Belo
- Bom...- disse eu -, que estão a decorrer as festas em honra das santas rainhas eu sei, não sabia era que iria ter lugar, na igreja daquele mosteiro, uma eucaristia presidida por tão distinta personalidade.
- É verdade Mário - disse a Luísa -, e é para lá que eu vou mal chegue o meu António.
- Quer dizer que não vens almoçar à pensão. - depressa conclui.
- Lógico Mário. Depois vou passear com o António até, quem sabe, à Figueira da Foz para ver o mar. - disse a Luísa
- Fico muito contente por vós e parece que vão ter sorte pois o dia está solarengo, coisa que normalmente não acontece nos meses de Outubro. - disse-lhe eu, enquanto preparava a taça de ração para o Riças que, de tanta vontade de comer que tinha, não saía da porta da cozinha só para sentir o cheirinho da chanfana que já começava a tomar conta de (quase) toda a pensão e que nos deixava a todos com água na boca.
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sexta-feira, 19 de outubro de 2007

ACIMA DAS NUVENS


A D. Rosalinda faz questão de manter intactas as máquinas fotográficas que o Sr. Ricardo possuía enquanto fez parte do mundo dos vivos. Era um hobby que exercitava constantemente tirando fotografias a tudo aquilo que o rodeava, desde que, como é natural, lhe interessasse e de preferência se o motivo fosse Penacova e as suas belezas.
Depois de cada sessão fotográfica, corria até ao laboratório mais próximo e, sem perder tempo, regressava de imediato à pensão para pendurar as fotos que considerava mais belas porque assim, dizia ele, "os hóspedes poderiam apreciar a beleza de Penacova, sem ter de sair da pensão".
Desde que nos deixou, as fotografias que se encontram penduradas nas diversas paredes da pensão, nunca mais foram substituídas, fazendo com que, desde essa altura, Penacova tivesse parado no tempo, tal como a bela adormecida, contudo não perdeu a beleza com o passar dos anos porque, acima de tudo, o Sr. Ricardo preocupava-se em escolher o papel fotográfico de melhor qualidade para que as fotografias se mantivessem lindas e brilhantes como no primeiro dia.
A D. Rosalinda já tinha tocado no assunto. Disse que, em conversa com a menina Alice, gostava de voltar ver fotografias sobre Penacova para, por um lado, renovar as fotos e, por outro, dar a conhecer aos hóspedes uma Penacova mais actual. Ao saber pela Susana do meu fraquinho pela fotografia, perguntou-me se eu estava na disposição de continuar o "trabalho" que o seu defunto esposo havia começado, respondi-lhe que sim, que o fazia com todo o gosto mas que não prometia uma qualidade tão boa como a do Sr. Ricardo.
- Vá lá Mário - disse a D. Rosalina -, você sabe tão bem quanto eu, que tem fotografias muito interessantes na sua colecção e que podia partilhar connosco.
- Bem sei D. Rosalinda, mas não prometo substituir todas as que existem na pensão de um dia para o outro. - disse-lhe eu.
- Claro que não Mário, nem é esse o objectivo, porém se o for fazendo aos poucos, de certeza que, qualquer dia, vai conseguir criar uma boa colecção e quem sabe até fazer uma exposição na pensão com os seus amigos que, tal como você, gostam de fotografia. - disse ela -
Então está bem D. Rosalinda - disse-lhe eu -, nesse caso, vou começar já hoje a expor aquelas que tenho.
Corri a buscar a minha pequena máquina digital e, de imediato, imprimi uma foto sobre Penacova, por sinal uma daquelas que eu mais gosto.


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quinta-feira, 18 de outubro de 2007

PARADOXILIDADES AMORAIS

O João, o nosso hóspede mais jovem, mostrava à Susana e à Cristina, o que tinha aprendido hoje na escola de hotelaria da nossa terra. Claro que, para elas, o que ele lhes estava a mostrar não era novidade mas, como boas profissionais que são, ouviram atentamente o que João lhes dizia, ajudando-o quando ele não percebia algum pormenor e ensinando-lhe novas técnicas que ele podia utilizar para obter os mesmos resultados. A D. Rosalinda também observava aquilo que os três estavam a fazer e, como reparou que o rapaz tinha jeito para a culinária, prometeu que iria pensar na hipótese de propor ao João um estágio na pensão. Ao encarar como possível essa realidade, quase que deixou cair os ovos que estava a tentar partir para dentro da tijela que iria servir para fazer os crespes de chocolate.
Comigo, no bar da pensão, estava o Paulo. Tínhamos acabado de jantar e preparávamo-nos para tomar um café, quem sabe acompanhado de um digestivo, talvez uma aguardente velha, em balão aquecido.
Na televisão, além da cimeira europeia que está a decorrer em Lisboa, mostravam um pai comovido que, em desespero, apelava à justiça italiana que autorizasse o fim do coma irreversível em que a sua filha se encontrava há já quinze anos. Chocou-nos aos dois esta indecisão por parte da justiça em fazer....justiça.
- Para aquele pai a filha já morreu há bastante tempo. - disse o Paulo
- Desde que entrou em coma. - disse eu
- Eu também não sei como reagiria se tivesse que passar por um situação daquelas - disse eu -, porque, apesar de ser defensor da vida humana, após a dez semanas claro, não consigo aceitar muito bem o facto de, perante a impossibilidade da medicina em proporcionar uma vida digna àquela pessoa, não se optar pela morte clinicamente assistida.
- Eu também sou da tua opinião - disse o Paulo -, mas existem casos em que as pessoas saíram do coma passados 15 ou mais anos.
- Sim claro, mas no caso da moça italiana, as perspectivas de recuperação são praticamente nulas, encontrando-se a senhora em estado vegetativo - disse eu.
- Não é preciso ir mais longe - disse o Paulo -, aqui bem perto de nós, temos um caso idêntico. Uma rapariga bastante jovem, mãe de uma filha com 4 anos de idade, sofreu um acidente há mais de um ano e agora está em casa, a ser limpa, alimentada e acompanhada pela mãe.
- Sim eu recordo-me dessa situação. - disse eu
- Dizem que aquela criatura vai estar assim até ao fim dos dias dela - continuou o Paulo -, vai ter necessidade de acompanhamento constante porque, além de não conseguir fazer rigorosamente nada pelos próprios meios, todos desconhecem se está ou não consciente. Valerá a pena mantê-la nessas condições, sendo certo que, nem ela própria, ao ter consciência da situação em que se encontra, gostaria de se manter assim.
- São tudo questões muito complicadas - disse eu -, para uma mãe ou um pai que todos os dias vêm uma filha naquela situação, sabendo que assim se vai manter por tempo indeterminado, só por muito amor é que aguentam tratar dela, na esperança claro, de algum dia ela reagir.
- Depois, também existe a questão do Vaticano (mais uma vez a religião) que contesta veemente a opção pela eutanásia, por segundo eles, ser "inaceitável o relativismo dos valores, sobretudo quando estes se referem à conservação da vida". - disse eu.
- Sim - disse o Paulo -, também temos que contar com a questão dos valores que "assaltam" os mais devotos fiéis da igreja católica, a mesma que escondeu durante anos os escândalos sexuais dos seu padres e das suas freiras.
- Pois é - disse eu -, a questão da eutanásia que, a meu ver, merece ser analisada e discutida, é mais uma barreira psicológica e moral que a nossa sociedade tem que ultrapassar, contudo, não sou da opinião que, artificialmente, se tente manter a dignidade de um ser humano quando a sua dignidade depende, entre outras, da capacidade que tem para decidir naturalmente e em consciência.
- Tens razão Mário - disse o Paulo - , mas o mais caricato de tudo isto é que, por um lado, o Vaticano defende a utilização de uma máquina, criada pela ciência, para manter, artificialmente, uma vida sem futuro e, por outro, condena o recurso a métodos científicos para impedir o nascimento de outros e, mais grave ainda, para impedir a propagação de doenças que matam milhões de pessoas que, curiosamente, vivem em países onde maioritariamente se professa a religião católica.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

O SR. ARQUITECTO

- O Sr. arquitecto é muito boa pessoa, não acha Mário? - perguntava a D. Rosalinda.
- É sim, D. Rosalinda - respondi eu -, conheço-o há mais de 20 anos e sempre o achei uma pessoa cordata, inteligente, amigo do seu amigo e, como acabou por dizer, esclarecido acerca destas coisas do ambiente e da forma como pode ser aproveitado para a realização de eventos futuros nesta terra que igualmente bem conhece.
- E também acerca de como nós podemos contribuir para o melhorar. - disse a menina Alice enquanto comia a sua fatia de pão de forma, torrada e barrada com manteiga.
- Ainda bem que ele decidiu passar mais vezes na pensão, talvez necessite de um pouco de tranquilidade e conforto e essas duas coisas, nesta pensão, são aquilo que mais temos para oferecer. - disse eu enquanto dava uma goladinha no chá de camomila ainda quente.
A Susana ouvia-nos enquanto preparava o molho bechamel e, curiosa, perguntou se o Sr. arquitecto por cá iria ficar durante uns tempos.
- Concerteza que vai - respondeu a D. Rosalinda -, não foi por acaso que reservou um quarto na pensão. Além disso - continuou -, é uma pessoa bem distinta, capaz de contribuir para manter o bom nome da pensão.
- Tem toda a razão D. Rosalinda - disse eu não tirando os olhos da Cristina -, estou completamente de acordo consigo, quanto à personalidade do Sr. arquitecto e quanto ao facto da sua presença, enriquecer ainda mais a pensão.
Entretanto a Cristina escolhia o vinho para acompanhar o jantar de hoje. Manejava cuidadosamente as garrafas, bem sabendo que, quanto mais velho for o vinho, mais frágil se torna.
- Então Cristina, qual vai ser o vinho que vais escolher para hoje? - perguntei.
- Olha Mário, como a Susana nos vai presentear com um magnífico lombo de novinho com cepes, optei por um tinto ribatejano de 2003 da Quinta do Falcão, ideal para pratos de carne bem condimentados.
- Muito bem - dissemos todos em uníssono, já a pensar na sorte dos hóspedes que optaram por cá jantar.

QUARTO COM VISTA

Gosto de vir a Penacova.
É um local pacato, que contrasta fortemente com o barulho da cidade onde habito e trabalho.
Esta pensão enche-me, por isso, as medidas do descanso e da tranquilidade.
Numa cadeira posta na varanda, vejo o rio Mondego a correr vagaroso para a foz, vejo um areal agora jazido de vazios, depois de um Verão com gambiarras, piscinas infantis e a animação dita possível.
O recepcionista, atento e simpático, sempre que aqui venho, lá me avisa da pasmaceira do costume e de como as coisas ou não correm ou correm devagar. Às vezes não me importo e até o desejo. O progresso (uma palavra com tão diversas aparências) nem sempre é bom sinal. Há por aí muita modernidade miserável a tentar explicar que não o é...
Voltando à varanda, admiro a paisagem recortada de serras e vales e pelo errático traçado do mondego. Respiro fundo e lanço o olhar para o infinito.
Para nós, Arquitectos, todas as formas da natureza são potencial para a criação de espaços e ambientes. E aqui em Penacova, a Arquitectura tem mil e uma razões para poder ser bela.
Pelo que vejo e conheço, pouco é!

terça-feira, 16 de outubro de 2007

CURTISUBIR - A LENDA DE GUTERRES

Pessoalmente sempre gostei de banda desenhada onde, um pequeno grupo (David), luta contra uma nação inteira de malfeitores (Golias). A menina Alice também gosta muito de dispensar um bocadinho do seu atarefado tempo, para o dedicar ao seu super-herói preferido.
Sempre que se aproximam as 09 horas da noite, lá estamos nós os três em frente à televisão da sala de estar da pensão, eu sentado na poltrona, a menina Alice no sofá (toda esticada) e o Riças a seus pés, todos à espera do início de mais um episódio do "Avatar - A lenda de Aang".
Basicamente, é um menino com condições para dominar os 4 elementos (água, terra, ar, fogo), pois só assim conseguirá vencer os "maus", ou seja, os guerreiros da Nação do Fogo que, teimosamente, insistem em conquistar os restantes territórios e escravizar as populações neles residentes.
Ao ver aqueles divertidos episódios, penso sempre naqueles que, a todo o custo e, muitas vezes, pondo em risco a própria vida e a dos seus familiares ou companheiros, arriscam defender os indefesos, consolar os inconsoláveis e restituir a dignidade aos desenganados. Ainda hoje, por exemplo, o Alto Comissário da ONU para os Refugiados, António Guterres, apelou "à Europa para que mantenha a porta aberta aos refugiados iraquianos, é absolutamente fundamental neste momento, pois existem dois milhões de deslocados no interior do Iraque e que mais de dois milhões de iraquianos estão refugiados nos países vizinhos, dos quais 1,4 milhões na Síria e mais de 500.000 na Jordânia".
Será Guterres o David que todos aqueles deserdados da sorte estão à espera?
Não necessitaria ele, tal como o Aang, de dominar os 4 poderes para assim impor a paz aos beligerantes que, por um pedaço de terra, são capazes de sacrificar a vida de milhares de inocentes, numa zona onde os massacres se sucedem a um ritmo que até os mais bem informados desconhecem?
Claro que, com todos estes pensamentos, acabo por ser, de novo, acordado do estado sonolenteo em que me encontrava, pelo entusiasmo da menina Alice que, na sua inocência, apenas gosta do Aang e dos seus amigos, por todos terem aquelas características extraordinárias, capazes de dominar qualquer ameaça, porém, desejaria eu que aparecesse alguém com a capacidade de garantir a felicidade, não só dos curdos, como também dos tibetanos, dos sudaneses, dos birmaneses e de tantos outros que ainda não conseguiram fazer com que a sua voz de dor passasse para além das paredes que os encerram até à morte, não física, mas mental, por que aquela, enfim, seria a libertação.

IN MEMORIAM - 1982 - 2007

I
De si, recordo uma canção que interpretou, escrita por Manuel Alegre, e cujo primeiro verso assim começa:
I
I
I

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O PÚBLICO DA PENSÃO

Hoje, como em qualquer segunda-feira, regressam os hóspedes do fim-de-semana. A agitação é sempre maior do que o normal, todos vêm carregados com malas e malinhas, casacos e casaquinhas e, com muito carinho, trazem alguma coisa que lhes faça lembrar a terra, principalmente a partir de quarta-feira, dia em que a saudade mais aperta. Escusado será dizer que, tanto no bar como na recepção ou até mesmo na sala de jantar ou de jogos da pensão, o número de hóspedes é muito maior. Na cozinha a Susana tem que contar em confeccionar mais refeições, a Luísa tem que dedicar mais tempo aos quartos e a Cristina, que se estreia na pensão, tem a oportunidade de mostrar aquilo que apreendeu enquanto se formou como chefe de sala.
Até ver, as coisas estão a ir muito bem. Todos os hóspedes estão satisfeitos, tanto com o serviço da pensão como com a nova aquisição. Dizem eles que a Cristina "é a cereja em cima do bolo" ou "o elemento que faltava para completar a equipa de profissionais extraordinários que trabalham na pensão".
A D. Rosalinda não resistiu a tanto elogio e, como agradecimento, fez questão de oferecer um "Pastelinho de Lorvão" aos hóspedes que se mantiveram na sala de jantar para além das 14 horas.
Entretanto, o telemóvel da pensão emite o sinal de mensagem recebida. Hoje em dia, por norma, todos os que querem contactar com a pensão, ou para reservar ou para cancelar ou para enviar facturação, fazem-no para a caixa do correio do telemóvel ou do computador. Os tempos do suporte de papel, já quase fazem parte do passado o que, só por si, muito contribui para um ambiente mais saudável, contudo, esta não era uma mensagem habitual, nem eu estava à espera de receber tão importante informação via sms (short message system) - "A Pensão Viseu já chegou aos Blogues de papel do Público. Edição de hoje. Parabéns" - O remetente era o Luís que, ao desfolhar aquele jornal, verificou que nele se fazia referência a esta unidade hoteleira. De imediato fui ter com a D. Rosalinda que, ao ler tão inesperada mensagem, tratou logo de mandar a Luísa ao quiosque comprar a edição impressa daquele diário.
É uma muito importante referência, sinal de que a pensão já é um local onde muitas pessoas encontram algo de especial a ponto de a sugerir a outras que, tal como elas, procuram algum conforto e relaxamento junto às águas calmas e silenciosas do Mondego.
A menina Luísa fez questão de, delicadamente, destacar a folha onde estava a mensagem da pensão para, segundo disse, colocar no livro de recortes da pensão ou, quem sabe, fazer um poster para colocar numa suas das inúmeras paredes. Quanto a mim, sinto-me muito lisongeado por contribuir para o sucesso deste lugar onde, acima de tudo, podemos contactar com um sem número de pessoas que fazem questão de voltar.

domingo, 14 de outubro de 2007

LUIS E A SOMBRA

Ontem ainda vi um pouco do congresso do P.S.D.. Apercebi-me que Luís Filipe Menezes está completamente controlado pela astúcia e frieza política de Santana Lopes e dos seus correligionários.
Lembrei-me da conversa que eu e o Paulo tivemos aqui há cerca de 15 dias e também me lembrei que o novo líder do P.S.D. não tem assento no parlamento, logo, a oposição vai ter como principal protagonista, o primeiro-ministro cessante.
Será que é agora que a (verdadeira) luta pela sucessão no P.S.D. vai começar ou será que Santana vai apenas seguir as "orientações" de Menezes na liderança da bancada social-democrata?

sábado, 13 de outubro de 2007

SENSAÇÕES (DE)GUSTATIVAS

Já passava das 17 horas quando vejo a atravessar a porta da pensão, uma elegante Srª, com cabelos pretos e de média estatura. Na mão esquerda trazia uma imprescindível "necessaire" e na direita, uma mala trolley, semi-rígida, bastante útil e funcional para quem viaja.
Sem qualquer estupefacção encarei com naturalidade a situação, ou não fosse este sítio uma pensão.
A Srª. entrou, deslocou-se até à recepção onde eu me encontrava e, tirando os óculos escuros que lhe escondiam os olhos grandes e negros, perguntou se podia falar com a D. Rosalinda.
- E quem devo anunciar? - perguntei.
- Diga-lhe por favor que é alguém que respondeu a um anúncio para ocupar um lugar de chefe de sala da pensão.
Muito surpreendido, pedi que se sentasse e que aguardasse um pouco enquanto procurava a D. Rosalinda e, muito educadamente, aquela Srª. aguardou junto à recepção.
Pelo caminho, pensava que, finalmente, e após várias insistências, a D. Rosalinda lá tinha aceite que, a qualidade do serviço que se pretende prestar na pensão tem que acompanhar a evolução dos tempos, a bem da qualidade e da concorrência.
Desci à cozinha, procurei no 1º andar e no escritório e, por fim, no jardim onde a D. Rosalinda se encontrava a cuidar das suas rosas preferidas.
- D. Rosalinda, finalmente encontrei-a. - disse eu.
- Credo Mário, você vem ofegante, que raio de bicho lhe mordeu? - perguntou.
- Não foi bicho nenhum D. Rosalinda, apenas lhe venho dizer que se encontra na recepção, a Srª. que respondeu ao anúncio para chefe de sala. - respondi.
- Mas....a Cristina disse que apenas viria amanhã à noite e por isso andava para aqui descansada!!! - disse a D. Rosalinda muito admirada.
- Pois é, mas a Srª. chegou hoje e está à sua espera por isso, não deve demorar-se. - disse eu já de volta à recepção.
- Olhe Mário, leve a Srª. Cristina até ao escritório, sirva-lhe algo, ponha-a à vontade que eu estarei lá num minuto. - disse a Dª. Rosalinda colocando a tesoura de poda na caixa de jardinagem e limpando as mãos sujas de terra ao avental.
Foi o que fiz logo que regressei à recepção. Disse à Srª Cristina para me acompanhar ao escritório, onde iria aguardar pela D. Rosalinda e servi-lhe, tal como me pediu, uma água sem gás, natural.
A notícia depressa se espalhou pela pensão.
A menina Alice gostou de saber da nova contratação, pois podia aprofundar o seu gosto pelas coisas (boas) da restauração, a Luísa encarou com (alguma) indiferença a chegada da nova colega, já a Susana não viu com bons olhos a contratação de uma pessoa que, a partir de dali, poderia interferir no seu trabalho, pois é sobejamente conhecida no meio, a rivalidade entre o chefe de cozinha e o chefe de sala mas, como tratei de lhe explicar, isso são coisas do passado e, tendo em conta que a Susana é uma excelente profissional, depressa entenderá que ambas se vão completar, a bem do serviço a prestar pela pensão. Quanto a mim, e tendo em conta a extrema necessidade em contratar alguém que, além de se preocupar com a conjugação entre os aromas e os paladares das refeições, também recomendasse, provasse, servisse e garantisse a boa qualidade e a adequada temperatura dos vinhos e das outras bebidas que servimos, achei muito oportuna a decisão da D. Rosalinda. Assim, conseguimos garantir a manutenção de uma boa clientela e, principalmente, fazemos com que outros, igualmente bons, nos visitem, e fiquem também eles nossos clientes, uma espécie de turismo gastronómico. Além disso, a não ser que me engane, fiquei com a sensação que me vou dar muito bem com a nova aquisição.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

OLHA PARA O QUE EU DIGO...

Parte-se do princípio que, uma instituição, com responsabilidades morais e sociais em todo o mundo, cuja doutrina que difunde se baseia, essencialmente, em ajudar o próximo, e que tem condições para desembolsar mais de 80 milhões de euros para a construção de uma basílica, ainda por cima sem recorrer ao crédito, só pode estar com a consciência perfeitamente tranquila em relação à fome e a outras desgraças que grassam pelo mundo.

I


cartoon de vrijeme srca (hrv) - 2006

AMBIENTALIDADES ELEGÍVEIS

- O homem que eu gostava que tivesse sido o presidente do E.U.A., aquele Sr. alto e bem constituído, com olhar cândido e bondoso, que concorreu com Bush à presidência daquele grande país, foi galardoado com Nobel da Paz. - disse a Susana muito satisfeita.
- Também sou da opinião que foi muito bem atribuído o galardão que destaca aqueles que mais se esforçam (ou esforçaram) por trazer a paz ao mundo sendo que, neste caso, se trata de uma paz ambiental, mais importante do que qualquer outra, pois garante a sobrevivência de todas as espécies que conhecemos ou tal como as conhecemos. - disse eu abanando a cabeça afirmativamente.
A menina Alice tinha acabado de chegar das aulas. Para ela o fim-de-semana já tinha começado e, com este solinho a brilhar, vinha muito bem disposta, como normalmente, aliás.
- De que estão vocês a falar? - perguntou.
- Daquele a quem foi atribuído o Nobel da paz. - respondeu a Susana.
- Bem sei, o Al Gore. Também acho que foi bem atribuído, só não sei se o efeito prático dessa nomeação não vai esbarrar contra a posição dos que mais poluem e, com isso, mais ganham. - disse a menina Alice bastante segura de si.
- Pois é menina Alice mas, também é verdade, que "água mole em pedra dura, tanto bate até que fura" e, a julgar pela água que aí vem, provocada pelo degelo, então é que, com toda a certeza, as coisas vão mudar. - disse eu ironizando
- Não seja írónico Mário, sabe muito bem onde quis chegar. - disse a menina Alice.
Entretanto, a menina Alice vai cumprimentar a D. Rosalinda e esta entrega-lhe uns documentos que, durante a manhã, alguém veio trazer à pensão. Era um assunto, também ele relacionado com a natureza, que se destinava a lançar um concurso de ideias para um logótipo e slogan da floresta e ambiente do Município de Penacova.
A menina Alice achou aquela iniciativa muito interessante e oportuna, tanto mais que ainda agora tinha estado a falar acerca do ambiente, mostrando-se de imediato disponível para participar. Só não tinha a certeza se valia a pena o esforço, não fosse tratar-se de um concurso de ideias semelhante àquele que ocorreu por altura da escolha do logótipo para o comércio local, cujos candidatos, o vencedor e a utilidade do mesmo, nunca alguém conheceu. Quanto aos prémios, até é melhor não falar (a pobreza continua).

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

BLASFÉMIAS, BARBARIDADES E OUTRAS REALIDADES

A D. Rosalinda estava muito impressionada com o que tinha ouvido nas notícias das 13 horas, acerca da detenção de 18 indivíduos (presumíveis) autores de cerca de 100 furtos em automóveis e residências em Portugal. Para ela era inadmissível que tal acontecesse, ainda por cima quando os autores daqueles actos de vandalismo tinham idades compreendidas entre os 16 e os 26 anos.
- Aqueles jovens ainda deviam andar na escola - dizia ela - ou, se assim não fosse, a trabalhar para começarem a ter consciência do que custa a vida e do sacrifício que por vezes é, ter que ir trabalhar nos lugares mais indesejáveis e a troco, em alguns casos (mais frequentes do que o desejável), de remunerações que mal chegam para comer.
- Partilho em absoluto da sua indignação D. Rosalinda - disse eu também indignado -, tenho a certeza que, se esses jovens fossem educados de outra maneira, comportar-se-iam de forma diferente.
- De outra maneira como? - perguntou a D. Rosalinda.
- Olhe, por exemplo, da maneira como são educados os adolescentes canadianos. - respondi.
- Mas canadianos porquê? - perguntou sem perceber muito bem.
- Porque são habituados, incentivados e quase obrigados pelos progenitores, a fazerem-se à vida desde cedo para, entre outras coisas, suportarem os encargos dos estudos. - respondi
- Mas como é que o Mário sabe dessas coisas, como é que sabe que os jovens canadianos são educados, desde cedo, a serem responsáveis pela sua formação e pelas suas despesas? - perguntou de novo a D. Rosalinda, ainda não muito convencida de que aquilo que eu dizia correspondia à verdade.
- Muito simplesmente porque, a julgar pelas palavras de alguém que lá esteve e lá viveu durante vários anos, é exactamente isso que se passa. - disse eu -. E mais, D. Rosalinda, das palavras (sempre discutíveis) dessa pessoa, tal comportamento deve-se, essencialmente, ao facto de termos sido educados à luz dos ensinamentos da Igreja Católica.
- Não blasfeme Mário, vejam lá se a Igreja Católica tem alguma coisa a ver com o facto dos rapazes e raparigas andarem para aí a cometer essas "barbaridades". - disse a D. Rosalinda já a ficar um pouco corada.
- Pode ter razão, D. Rosalinda, mas o que é certo é que o indivíduo de quem lhe falo, explica as coisas tão claramente, que somos levados a pensar que ele tem razão. - disse eu, já a tentar baralhar a D. Rosalinda.
- Olhe Mário, não estou como muito tempo para brincadeiras mas, já que falou no assunto, mostre-me lá onde é que foi ler isso para que eu possa dizer algumas coisas a esse Sr. - disse a D. Rosalinda indignada.
- Mostro-lhe como todo o gosto, D. Rosalinda, chegue-se um pouco para aqui e leia. - disse eu, afastando-me um pouco do monitor do computador da recepção da pensão.
E a D. Rosalinda lá começou a ler, fazendo-o em voz alta para não se perder.
"
Nos países de tradição protestante as crianças são educadas desde cedo, na família e na escola, a tornarem-se independentes e auto-suficientes, e essa educação prossegue pela adolescência. Pelo contrário, nos países católicos as crianças são profundamente mimadas na família, essa atitude prossegue na adolescência, com o resultado final de que os jovens ficam até muito tarde, às vezes até à idade adulta, dependentes da família, e ocasionalmente dos amigos."
A certa altura, já com os olhos a arder por não ter colocado os óculos, a D. Rosalinda disse-me para não sair do sítio onde aquele texto se encontrava porque, entendi eu, o seu conteúdo lhe estava a despertar bastante interesse e, quem sabe, a pensar naquilo que poderia fazer em relação à menina Alice, não que ela necessitasse, pois a menina Alice, durante as férias de Verão, trabalhava com afinco na pensão mas, nunca se sabe o porquê do interesse manifestado. Talvez quisesse dar razão ao autor daquele texto mas, não o devia fazer, por causa da religião.

ABSOLUTAMENTE ILUSTRATIVA

Uma das primeiras coisas que normalmente faço quando chego à pensão é ligar o computador para, por um lado, verificar a situação em que se encontram os hóspedes e, por outro, verificar se terei alguma (nova) mensagem no correio electrónico.
Por acaso, a imagem que acompanhou uma das mensagens que me foi enviada, por um potencial hóspede desta pensão e amigo de longa data, ilustra, em meu entender, de forma bastante elucidativa o post anterior. Assim, e por considerar que foi bastante oportuna, faço questão de a partilhar convosco.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

O VOO DAS ANDORINHAS

A bica não estava a sair bem. Alguns hóspedes já me tinham abordado nesse sentido e, sem saber muito bem o que lhes havia de responder, lá me ia desculpando com a moagem, mais fina ou mais grossa, do café. A Luísa desceu a escadas a correr e a gritar, porque tinha visto um "bicho enorme" a passar junto à cómoda do quarto 23. A D. Rosalinda andava inquieta porque não conseguia encontrar os óculos que trazia na cabeça e a Susana também com os nervos em franja, por não conseguir fazer a maionese. O dia, decididamente, não estava a correr muito bem. De vez em quando é assim, se não começar bem de manhã, quase sempre se mantém assim até à noite.
A meio da tarde já tudo estava mais composto, as refeições correram bem, a comida, para não variar, estava deliciosa e, o mais importante de tudo, todos ficaram satisfeitos com o serviço, a julgar pelo sorriso que exibiam na altura de pagar.
O sol na esplanada estava convidativo a uns minutos de pausa. Com uma água com gás na mão (dessas novas com sabores), sentei-me numa das mesas que, ainda, estava desocupada e abstraí-me um pouco a olhar para o vale do Mondego. Entretanto ouço uma voz familiar a falar com a Luísa que, de imediato, o acompanhou até à esplanada. Era o Luís que, mais uma vez, fez questão de nos visitar.
- Então Luís, desta vez não vens para jantar? - perguntei.
- Não Mário, hoje apenas venho para tomar um copo contigo e aproveitar este maravilhoso sol de Outono que tu aqui tens na pensão. - disse enquanto se ia sentando.
- E o que é que vais tomar? - perguntei.
- Olha, tomo o mesmo que tu. - respondeu.
A Luísa foi buscar outra água igual aquela que eu estava a beber. Ao colocá-la em cima da mesa, o Luís despejou a quase totalidade do seu conteúdo no copo alto que a distribuidora da água "ofereceu".
Enquanto dava a primeira golada, eu perguntei-lhe se estava tudo bem com ele e se tinha alguma coisa que o preocupasse.
- A família está bem, as dívidas estão a ser pagas como me é exigido, apenas este governo me preocupa. - disse o Luís.
- Preocupa-te como rapaz? - perguntei.
- Preocupam-me estas novas "realidades democráticas", com a polícia a entrar nos sindicatos, as interferências e os recados na R.T.P. (admitidos pelo insuspeito Rodrigues dos Santos) e o sr. engº. a falar das manifs (com desdém e sobranceria) contra a sua política de portáteis e nadas. - respondeu.
- Sabes Luís - disse eu -, quando um partido político, eleito legitimamente, governa em maioria, tem sempre tendência para não aceitar que aqueles que dependem de si, fujam à estratégia delineada e opinem publicamente de acordo com os seus ideiais. Os casos que referes, independemente de poderem corresponder ou não à realidade, são sempre empolados para criar impacto na opinião pública, através dos meios de comunicação social que, de certa forma, consegue criar naqueles que os vêem uma sensação de mau estar e de reprovação.
- Mas eu estou, confesso-te, numa tremenda crise de pessimismo relativamente ao país em que vivemos e trabalhamos. - disse o Luís.
- Pois, mas tens que admitir que aquilo que te aflige, pode não incomodar os outros, tanto que, até poderá existir alguém que, ao contrário de ti, considera as medidas do governo apropriadas à situação do país. Ainda hoje, por exemplo, durante o almoço, tive oportunidade de falar com um casal de pessoas com cerca de 60 anos que, perante o comportamento de um povo, de que faziam parte e que consideravam incorrigível, inculto e absentista, nada melhor do que um governo com mão firme para os colocar na ordem, por isso, como vês, as opiniões são diversas e o que para ti é perigoso e alarmista, para outros é o modelo ideal de governação.
Após esta pequena conversa, que prometemos continuar numa outra oportunidade, ambos optámos por disfrutar, um pouco, do silêncio, só interrompido pelo constante chilrear das andorinhas que, às centenas e em círculos ininterruptos, se preparavam para partir para outras paragens, mais quentes, apenas com a preocupação de chegar, para poderem regressar de novo.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

A MELHOR FEIJOADA DO MUNDO

A Susana preparou para o jantar uma sopa de cação e uns lombinhos de javali com framboesas. O cheiro "subia" pela escada acima e invadia levemente a sala de jantar. Os hóspedes, esses, estavam impacientes de tanto esperar pelo momento em que seria servido tão delicioso manjar, notava-se pela ansiedade com que constantemente olhavam para a campainha que era costume tocar, quando o jantar estava pronto a ser servido.
Nesta pensão sempre assim foi. A campainha toca quando alguma refeição está a ser servida, sendo que, se for doçaria, toca sempre duas vezes.
No tempo do Sr. Ricardo, havia dias em que a campainha estava sempre a tocar. Eram momentos de muita diversão, muitos hóspedes e muita confusão, tanta, que às vezes não acreditava que a campainha tocasse por haver comer, mas tão só, porque todos gostavam de puxar o cordel. Hoje as coisas estão ligeiramente diferentes mas a diferença não se nota em relação à campainha, apenas quanto ao número de hóspedes.
Depois de todos estarem servidos, volto até ao pequeno escritório onde me encontrava a preparar a lista das compras que, todas as sextas-feiras, tenho que fazer. Desta vez a D. Rosalinda fez questão de me lembrar de trazer algumas limas, uns quilos de feijão preto e farinha de mandioca.
- Mas para quê D. Rosalinda? - perguntei eu.
- Olha Mário, porque na quinta-feira chega à pensão um hóspede muito especial. - respondeu.
- Mas tão especial como? - perguntei curioso.
- Especial porque, além de ser brasileiro, canta muito bem. - respondeu entusiasmada.
- Bom - disse eu -, se é brasileiro e canta muito bem, provavelmente também gostará de comer bem e, nesse caso, penso que não há necessidade de comprar feijão preto, bastando dizer à Susana que mantenha o nível que tem vindo a manter até aqui.
- Tens razão Mário mas feijoada à brasileira como a Susana, ninguém mais sabe fazer e, como é bom de ver, quero que esse, quase, convidado, saia daqui bem tratado, com vontade de cá voltar e, convenhamos que um pouco de (boa) publicidade nunca é de mais. - disse a D. Rosalinda.
- E as limas D. Rosalinda? - perguntei.
- Essas são para tu fazeres a caipirinha, que tanta fama tem dado à pensão. - respondeu com um sorriso engraçado.
- Mas D. Rosalinda, estou cheio de curiosidade acerca do hóspede/convidado, que a Srª. faz tanta questão de receber dessa maneira, diga-me por favor de quem se trata. - pedi eu não aguentando mais o mistério.
- Olha Mário, quem vem cá passar o fim-de-semana é o Caetano Veloso. Aproveita o facto de estar em Coimbra no dia 17 deste mês e já me contactou para reservar a suite principal e para eu providenciar pela "melhor feijoada à brasileira do mundo". Além disso, a Susana e a menina Alice, quando souberam, deram pulos de alegria só de pensarem que iriam ter, de novo, uma noite como aquela que ele tão bem soube dar na última vez que cá esteve. - disse a D. Rosalinda.
- Lembro-me bem como foi - disse eu -, à média luz, aquelas melodias que só ele poderia cantar, adornadas com aquelas letras que só ele podia escrever, enfim, um momento único e inesquecível.
- Exactamente por isso é que eu o quero receber ainda melhor do que da última vez. - disse a D. Rosalinda cheia de convicção.
- Assim será - disse eu -, não me posso é esquecer de comprar as duas cordas que me faltam na guitarra de Coimbra, para o acompanhar na canção com o mesmo nome e, se calhar, até vou convidar uns amigos fadistas para virem cá fazer-nos companhia.
- Fazes bem Mário, para que ele se sinta em casa. - disse a D. Rosalinda já a caminhar em direcção à cozinha, mas não sem antes insistir acerca do feijão preto.

PASTOR, PRIOR E DITADOR

"É uma herança salazarista, esta ideia que nós temos da necessidade de um líder", lia no jornal Expresso.
- Deixa-nos a pensar, esta coisa do salazarismo. - dizia eu em voz alta
- O quê? - perguntou o Paulo
- Nada - disse eu -, estava só aqui a ler, pedaços de uma entrevista que Manuel Jacinto Nunes deu ao Expresso através da jornalista Fernanda Pargana.
- Também li essa entrevista - disse o Paulo -, ele diz que "Sócrates está a gozar de um prestígio que resulta dessa mentalidade", característica dos portugueses.
- Direi eu que, nesta legislatura, Sócrates é o pastor, o prior e o ditador do povo português. - disse
- O resto são comunistas. - disse Paulo
- Exactamente - disse eu -, é um discurso que já muitas vezes foi ouvido e que, quanto a mim, só se tem quando há contestação, quando existem pessoas que pouco ou nada têm para comer, crianças com frio e desnutridas, vítimas das errâncias humanas e da frieza da sociedade.
- Eu não sou comunista. - disse o Paulo
- Eu também não. Embora de esquerda, não me identifico muito com a rigidez do Partido Comunista, contudo, considero-o indispensável, senão essencial, a qualquer democracia. - disse a Paulo
- Mas não haja dúvida que o povo português gosta que haja alguém que tome conta dele, que lhe prepare a reforma, a saúde, o ensino e, na maior parte das vezes, queixa-se que a vida está cara, mas não dispensa um ida ao futebol, uma ida ao centro comercial. Mesmo barato, acaba sempre por trazer alguma coisa. - disse o Paulo
- Nem que seja o balde das pipocas que ainda podemos comprar, com a possibilidade de poder escolher (só) a cor. - disse-lhe de caminho gracejando
- É, não damos hipóteses. Quem nos der fado, fátima e futebol, dá-nos tudo. - retorquiu Paulo bebendo mais um trago de whisky novo e macio.
Depois, ainda falámos da vitória do Benfica e do penalti, que dizem ter sido inventado, para o Porto (como se fosse necessário). Enfim, coisas do futebol.
Também falámos de fátima e dos milhões que foram gastos na nova basílica para, claro, demonstrar a influência na igreja católica na nossa sociedade e, a reboque, acabámos por falar da "abertura" de Sócrates, à possibilidade (re)negociar com a igreja, o estatuto das capelanias hospitalares.
Sem nos alongarmos muito, ainda tivemos tempo de falar no azar de Lewis Hamilton, no grande prémio da China, e do interesse que isso vai trazer ao, já de si interessante, mundial de fórmula 1.
Depois de tudo isso, e já com tudo fechado, despedimo-nos com os votos de uma boa noite.

domingo, 7 de outubro de 2007

SERPENTE LUMINOSA

Enquanto não começa o jogo mais esperado desta noite (Académica de Coimbra/F. C. do Porto), vou navegando pela internet, ou para procurar novidades ou para voltar ver aquelas coisas boas que, por mais tempo que passe, gostamos sempre de rever.
O ambiente por aqui está calmo. Os hóspedes estão acomodados. Uns esperam pelo jantar, outros, que já jantaram, esperam pelo futebol. Os que ainda não chegaram, telefonaram para dizer que vinham a caminho e para lhes guardarmos uma refeição, pois estavam ansiosos para jantar na pensão.
Da sacada da sala de jantar, consigo ver o trânsito no IP3. As dezenas e dezenas de carros que se deslocam no sentido Viseu/Coimbra, formam uma fila compacta que faz lembrar (se existir) uma enorme serpente luminosa, tal é a quantidade de luzes que, devagar, se dirigem para o destino ou de volta à origem.
A D. Rosalinda lá continua com o seu, enorme, tapete de arraiolos. Diz que é para a sua neta mais velha, a menina Alice portanto, para quando ela decidir arranjar um companheiro.
- Sim porque hoje já não se fala em casamento. - diz com a cara virada para a fotografia, a preto e branco, do seu saudoso marido, o Sr. Ricardo, falecido há dez anos com uma doença daquelas que nos leva de repente. Boa pessoa que ele era.
Para a D. Rosalinda, fazer arraiolos é mais do que um passatempo, é uma obsessão. Faz carpetes, tapetes, tapetinhos, almofadas e painéis para pendurar. As paredes da pensão, já para não falar do chão da sala, do hall e dos quartos, estão decoradas com muitas dessas "obras de arte", como simpaticamente gosto de lhes chamar. É assim desde que eu a conheço, já lá vão 30 anos, e concerteza que já não muda.
Continuando pela internet, vou agora passar por alguns dos blogues que habitualmente visito. Um escreve sobre a farsa das eleições cubanas, outro escreve acerca dos lobbies e do poder que têm em relação ao Estado, outro ainda, escreve sobre palavras curiosas que abundam no nosso léxico e outro escreve sobre uma determinada geografia. Gosto de passar por estes e por outros para os quais agora não tenho tempo. Porém, existe um que, todos os dias, faço questão de visitar, e nele li um post que dava conta do nascimento de um novo blogue em Penacova.
- Que bom - disse eu para mim -, finalmente vamos ter um blogue que poderá ocupar um lugar de destaque, tal como aconteceu com um chamado Jogo de Possíveis, fazendo as delícias de alguns e causando amargos de boca a outros. Para já, segundo o seu criador, pessoa por quem nutro especial simpatia, trata-se de um blogue "ainda em fase tão embrionária como experimental", que poderá corresponder às expectativas ou ficar aquém do esperado, mesmo assim, e partindo do princípio que o autor é uma pessoa com capacidades mais do que suficientes para levar aquele projecto por diante, tenho quase a certeza que vai ser um blogue com "cabeça" para pensar nas várias situações dignas de referência, "tronco" para aguentar as investidas a que (de certeza) vai estar sujeito, e "membros" para caminhar em frente, sem vergar ou ziguezaguear.
Da minha parte, faço votos para que tal iniciativa resulte e seja um sucesso, pois Penacova (e o mundo) precisa de vozes com qualidade, que olhem e comentem os seus destinos, zelando para que nenhuma crítica seja abafada ou que nenhuma voz seja calada.

sábado, 6 de outubro de 2007

ENERGIAS ALTERNATIVAS

O homem da lenha falhou. Disse que vinha até ao meio-dia e nem sombra dele. Pode ser que durante a tarde apareça mas, é a tal coisa, já vai estragar os planos que tinha para o dia. Enfim, não fosse o aquecimento a lenha que temos na pensão, não estaria tão incomodado com o facto de ele não ter aparecido (nem avisado).
O sistema de aquecimento da Pensão já tem cerca de vinte anos. Na altura pensou-se que seria (e era) a melhor opção. A madeira não faltava por aí, havia sempre um ou outro que aparecia a querer vender cavacas de acácia, oliveira, pinho ou até eucalipto a preços quase simbólicos. Hoje em dia já não se compra um metro de madeira por menos de trinta euros e, provavelmente, estará na altura de pensar numa alternativa.
Entretanto chega o Daniel, o homem do gás que, mês sim, mês não, vem trocar as botijas .
- Bom dia Daniel, então, de novo por cá? - perguntei.
- Bom dia Mário, tem que ser, senão nem o vosso nem o meu negócio andam. - respondeu.
- Então e o que é que vais tomar? - perguntei.
- Bom, a esta hora e como ainda não almocei, poder ser um Favaios, cai sempre bem antes de almoço. - respondeu.
- Nesse caso, e porque estou nas mesmas condições, vou fazer-te companhia - . disse eu.
A D. Rosalinda anda às voltas com um folheto que lhe foi enviado pelo correio. Nele pode ver-se, na capa, uma elegante mulher, com o mar aos pés e o sol a pôr-se. Consegue ver-se também o logótipo da E.D.P., imaginando eu que será mais uma campanha lançada por aquela empresa, dirigida, neste caso, a quem quiser adquirir sistemas de aproveitamento de energia solar ou painéis solares, como são mais conhecidos.
As propostas que nos são dadas a conhecer, ficam entre os 2000 e os 5000 euros, dependendo da marca do aparelho e do número de pessoas que se pretendam servir com água quente.
- Para a pensão nunca iria resultar - disse de imediato a D. Rosalinda -, além disso, o preço é um pouco exagerado quando, o que se pretende é incutir nas pessoas a necessidade de se começar a utilizar as energias alternativas.
- Olhe D. Rosalinda - disse o Daniel -, se eles quisessem realmente que as pessoas preferissem as energias alternativas, não as oneravam tanto. Ainda por cima, começam logo a falar de financiamentos, prestações, etc. e as pessoas, já com o orçamento apertado, põem logo de parte essa hipótese, continuando a fazer as coisas como sempre fizeram até aqui.
- Tens razão Daniel - disse eu -, se o objectivo é fazer com que as pessoas adiram às energias limpas, então, que as coloquem a preços acessíveis para que todos possam fazer a escolha certa e quebrarem de vez os hábitos que mantinham até aqui.
- Ainda vamos andar muito tempo a gastar gás e lenha. - disse a D. Rosalinda andando e chamando o Daniel para lhe pagar.
Nisto, olho para o exterior e vejo o meu amigo Luís a estacionar a viatura no parque da pensão. Pela cara não vem muito bem disposto.
- Bom dia. - disse assim que entrou.
- Bom dia Luís, o que é que te traz por cá? - perguntei.
- Olha Mário, tive que passar por Penacova e resolvi vir aqui para tomar um café. - respondeu.
- Fizeste bem. Mas que cara é essa meu caro? - perguntei.
- Olha Mário - responde -, vinha aqui a pensar numa entrevista que o Mário Crespo fazia na S.I.C. Notícias, ao economista Medina Carreira, a propósito do lançamento do seu mais recente livro "O dever da verdade"
- Tem graça que também vi e, confesso, fiquei um pouco impressionado com as palavras do entrevistado. - disse eu.
- Sabes Mário - continuou o Luís -, eu nunca gostei do 1º ministro José Sócrates, acho que ele é de uma falsidade tal que, a troco de meia dúzia de "rebuçados", nos está a conduzir para um autêntico beco sem saída.
- Também fiquei com essa sensação - respondi -, além disso, também reparei que, a dada altura, o Dr. Medina Carreira, exagerava na adjectivação, isto é, classificava, de tal forma negativa, a actuação deste governo que, por momentos, pensei não estar em Portugal mas na Birmânia ou no Burundi.
- O que ele quis dizer durante a entrevista, foi que este governo age sem procurar resolver os problemas que realmente afectam o país através da mentira e da calúnia - disse o Luís -, repara no estado de medo em que colocou, por exemplo, todos os funcionários públicos, a forma como encarou as perspectivas de carreira de cada um e o clima de perseguição e de intimidação que, por causa disso, entretanto se instalou em toda a administração do Estado. Desde a justiça à educação, desde a agricultura à saúde, todos levam por tabela e ai de alguém que ouse levantar-se a dizer basta.
- Nesse aspecto, vejo-me obrigado a dar-te razão, ainda bem que não sou funcionário público. Vi também que o homem trazia a lição bem estudada, não fosse ele professor e, acima de tudo, conseguia fundamentar aquilo que dizia através de cálculos e mais cálculos que fazia questão de enunciar e que se encontravam no livro que lançou, em conjunto, com Ricardo Costa, director daquele canal televisivo.
- Mas, o mais grave de tudo - disse o Luís -, é que andamos todos a pensar que isto está muito bem entregue, que existem computadores para todos, que o desemprego só está a aumentar porque a crise é mundial, não se devendo, nem de longe nem de perto, à política levada a cabo pelo governo, que os 150.000 postos de trabalho não tardarão a ser uma realidade, como se fosse possível, com um estalar dedos, fazê-los aparecer . Enfim - disse o Luís um pouco cansado -, resta-nos esperar que, da próxima vez, nos saia melhor prémio na rifa.
- Talvez não meu caro amigo - disse eu -, vais ver que 2008 vai ser um ano para dar tudo e mais alguma coisa a troco de um voto. E tu, mais do que ninguém, sabes que o povo português tem memória curta e, concerteza, vai, mais uma vez, morder o isco.
- És capaz de ter razão Mário, mas, enquanto isso não acontece, vamos desmascarando esta palhaçada toda que, cada vez mais, me faz pensar na pobreza em que vivemos porque, essencialmente, gostamos. - disse o Luís algo desiludido.
- Olha Luis, para atenuar o teu desencantamento, vamos almoçar Luís, que hoje ofereço eu. - disse para o confortar.
- Boa ideia Mário, vamos nessa, estou mesmo a precisar de uma refeição na pensão. - disse mais aliviado.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

5 DE OUTUBRO - UMA CONTRIBUIÇÃO

O dia prometia ser mais ameno, pelo menos a julgar pelo sol que já se via a brilhar por entre as nuvens que planavam sobre a Serra da Atalhada.
Para comemorar a efeméride, a Câmara Municipal de Penacova, nada fez, como normalmente acontece, nem sequer uma referência ao facto na sua (pobre) página da internet.
Não fosse uma meia dúzia de indefectíveis apoiantes da causa republicana a colocar uma coroa de flores junto ao busto do 6º Presidente da República Portuguesa, quase que o 5 D'Outubro passava despercebido em Penacova.
A menina Alice descia a escada apressadamente e, a primeira coisa que fez, foi perguntar porque motivo era tão importante o feriado de hoje. A D. Rosalinda tratou logo de explicar à neta que, esta data marcava o fim da monarquia em Portugal e a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, após o regicídio de 1 de Fevereiro de 1908.
- Regicídio? - perguntou a menina Alice - O que é o regicídio, avó?
- Olha filhinha, foi a única forma que os republicanos encontraram para pôr fim à monarquia e digo-te que não foi a maneira mais correcta de o fazerem. - respondeu-lhe a D. Rosalinda sem querer prestar muitos mais esclarecimentos.
- Mas o que é que esta data tem assim de tão importante para Penacova? - perguntou de novo a menina Alice, cheia de curiosidade?
- Porque o 6º Presidente, Dr. António José de Almeida, era natural de Vale da Vinha, uma localidade da freguesia de São Pedro de Alva. - respondeu a D. Rosalinda.
- Curiosamente, nomeou 16 governos durante o seu mandato e foi o único que, até 1926, o desempenhou até ao fim. - disse eu.
- Quer então dizer que, fazemos parte de um concelho que também contribuiu para manter acesa a chama republicana! - exclamou a menina Alice bastante admirada.
- Exactamente, ao contrário de hoje, em que nem sequer é feita uma referência oficial a esse facto. - respondi eu, um pouco desagradado.
- Deixe lá Mário, se tiver oportunidade, farei questão de o referir na segunda-feira que vem, durante a aula de história. - disse a menina Alice.
- Fazes muito bem Alice - disse a D. Rosalinda -, assim irás contribuir para que, pelo menos, os teus colegas de turma não se esqueçam desse episódio que tanto nos orgulha.
- Sim menina Alice. Essa também é uma das vossas funções como estudantes, não deixar cair no esquecimento a nossa história e a contribuição que demos para que, na nossa perspectiva, ela avançasse. - disse eu, dando mais um golo de café e uma trinca na Nevada de Penacova, que tão deliciosamente me está a saber.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

POR TODAS AS LIBERDADES


O DIA DO "RIÇAS"

O Riças está connosco desde que, há 10 anos, a D. Rosalinda o encontrou a vaguear pelo Terreiro. Na altura, a menina Alice, que já ia no seu 4º aniversário, manifestou, de imediato, o seu afecto pelo bicho, insistindo com a avó para que o acolhesse na pensão.
De início não foi fácil mantê-lo no espaço que a D. Rosalinda me incumbiu de lhe arranjar. Estava demasiado habituado à liberdade e à ausência de coleira e, não encarava com muita facilidade o facto de ter sentir o seu raio de acção (bastante) limitado. Apenas encarava a pensão com um sítio para comer e não para viver, tal como alguns dos nossos clientes que apenas cá vêm tomar as suas refeições. Não que isso faça deles maus clientes, pelo contrário, alguns até são bem melhores do que certos que cá temos alojados. Mas, voltemos ao Riças.
Mal começou a "frequentar" a pensão e a comer os restos da comida que a Luísa lhe deitava na taça comprada propositadamente para o efeito, logo se tornou "hóspede" permanente, não sei se pelo comer, se pelo conforto das instalações que lhe foram atribuídas.
Quando por todos nós, e muito especialmente pela menina Alice, foi acolhido, não pesaria mais que 6 quilos e, pela aparência, não comia uma refeição "decente" há já alguns dias, pois tal era a forma com que as suas costelas sobressaíam na sua pele rosada e brilhante. Os seu olhos eram tristes mas, ao mesmo tempo, bonitos e negros como a noite. Talvez por isso nos tivesse cativado a todos.
Depois de lavado, escovado, vacinado e microchipado, o veterinário passou a respectiva caderneta de identificação. Dela constava o nome, a (possível) idade e todos os outros elementos relativos às características exteriores do animal. Quanto à raça não houve a mais pequena dúvida, tratava-se de um Cão d'Água Português. Com aquele pêlo comprido e luzidio, todo enrolado e a cair para a frente dos olhos que lhe davam-lhe em aspecto terno e fofo, era concerteza um exemplar de uma das nossas mais conceituadas raças. Quanto à idade, a julgar pelo tamanho dos dentes, pelo tamanho das patas e do crânio, o veterinário "apontou " para os 2 anos. Se fosse humano, teria 22 anos, a julgar por uma das muitas tabelas que podemos consultar na internet.
Com 12 anos já não é necessária a vigilância cerrada que inicialmente se impunha. Já não estraga as pernas das mesas da sala de jantar, já não rói os sapatos ou as pantufas que, distraidamente, os hóspedes deixavam cair dos pés quando se deixavam dormitar no conforto do sofá ou quando, por não quererem estar com os pés apertados durante as refeições, os deixavam cair para debaixo da mesa. Quanto às flores, é melhor nem sequer falar. Os dedos das duas mãos não chegam para contar as vezes que a D. Rosalinda via o seu jardim despedaçado pela necessidade que o Rifas tinha de roer alguma coisa, e que era superior à beleza das plantas e à extrema dedicação que aquela Srª. demonstrava ter, e que tinha, por aquele tão belo e singular espaço de lazer da pensão. Enfim, momentos passados que, olhando para trás, nos deram algumas alegrias e nos ajudaram a passar a monotonia dos dias (não todos) e de algumas noites que, quando ficavam mais frias, ele adorava passar junto à lareira a ouvir a lenha crepitar.
Hoje o Rifas vai ter uma surpresa. A Susana fez questão de pedir ao senhor do talho umas aparas mais bem guarnecidas com carne para lhe oferecer uma refeição especial, não que ele faça anos, mas tão simplesmente, porque se comemora o dia Mundial do Animal.
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