quarta-feira, 10 de outubro de 2007

O VOO DAS ANDORINHAS

A bica não estava a sair bem. Alguns hóspedes já me tinham abordado nesse sentido e, sem saber muito bem o que lhes havia de responder, lá me ia desculpando com a moagem, mais fina ou mais grossa, do café. A Luísa desceu a escadas a correr e a gritar, porque tinha visto um "bicho enorme" a passar junto à cómoda do quarto 23. A D. Rosalinda andava inquieta porque não conseguia encontrar os óculos que trazia na cabeça e a Susana também com os nervos em franja, por não conseguir fazer a maionese. O dia, decididamente, não estava a correr muito bem. De vez em quando é assim, se não começar bem de manhã, quase sempre se mantém assim até à noite.
A meio da tarde já tudo estava mais composto, as refeições correram bem, a comida, para não variar, estava deliciosa e, o mais importante de tudo, todos ficaram satisfeitos com o serviço, a julgar pelo sorriso que exibiam na altura de pagar.
O sol na esplanada estava convidativo a uns minutos de pausa. Com uma água com gás na mão (dessas novas com sabores), sentei-me numa das mesas que, ainda, estava desocupada e abstraí-me um pouco a olhar para o vale do Mondego. Entretanto ouço uma voz familiar a falar com a Luísa que, de imediato, o acompanhou até à esplanada. Era o Luís que, mais uma vez, fez questão de nos visitar.
- Então Luís, desta vez não vens para jantar? - perguntei.
- Não Mário, hoje apenas venho para tomar um copo contigo e aproveitar este maravilhoso sol de Outono que tu aqui tens na pensão. - disse enquanto se ia sentando.
- E o que é que vais tomar? - perguntei.
- Olha, tomo o mesmo que tu. - respondeu.
A Luísa foi buscar outra água igual aquela que eu estava a beber. Ao colocá-la em cima da mesa, o Luís despejou a quase totalidade do seu conteúdo no copo alto que a distribuidora da água "ofereceu".
Enquanto dava a primeira golada, eu perguntei-lhe se estava tudo bem com ele e se tinha alguma coisa que o preocupasse.
- A família está bem, as dívidas estão a ser pagas como me é exigido, apenas este governo me preocupa. - disse o Luís.
- Preocupa-te como rapaz? - perguntei.
- Preocupam-me estas novas "realidades democráticas", com a polícia a entrar nos sindicatos, as interferências e os recados na R.T.P. (admitidos pelo insuspeito Rodrigues dos Santos) e o sr. engº. a falar das manifs (com desdém e sobranceria) contra a sua política de portáteis e nadas. - respondeu.
- Sabes Luís - disse eu -, quando um partido político, eleito legitimamente, governa em maioria, tem sempre tendência para não aceitar que aqueles que dependem de si, fujam à estratégia delineada e opinem publicamente de acordo com os seus ideiais. Os casos que referes, independemente de poderem corresponder ou não à realidade, são sempre empolados para criar impacto na opinião pública, através dos meios de comunicação social que, de certa forma, consegue criar naqueles que os vêem uma sensação de mau estar e de reprovação.
- Mas eu estou, confesso-te, numa tremenda crise de pessimismo relativamente ao país em que vivemos e trabalhamos. - disse o Luís.
- Pois, mas tens que admitir que aquilo que te aflige, pode não incomodar os outros, tanto que, até poderá existir alguém que, ao contrário de ti, considera as medidas do governo apropriadas à situação do país. Ainda hoje, por exemplo, durante o almoço, tive oportunidade de falar com um casal de pessoas com cerca de 60 anos que, perante o comportamento de um povo, de que faziam parte e que consideravam incorrigível, inculto e absentista, nada melhor do que um governo com mão firme para os colocar na ordem, por isso, como vês, as opiniões são diversas e o que para ti é perigoso e alarmista, para outros é o modelo ideal de governação.
Após esta pequena conversa, que prometemos continuar numa outra oportunidade, ambos optámos por disfrutar, um pouco, do silêncio, só interrompido pelo constante chilrear das andorinhas que, às centenas e em círculos ininterruptos, se preparavam para partir para outras paragens, mais quentes, apenas com a preocupação de chegar, para poderem regressar de novo.

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