sábado, 29 de setembro de 2007

OPOSIÇÃO PARTE I - O REGRESSO DAS MANAS

O sol descobriu-se timidamente pela manhã. À tarde desapareceu por completo, dando lugar à chuva miúda ou "molha-tolos", como lhe costumamos chamar. Estava, perante as expectativas, um dia ideal para acender a lareira e passar o resto do dia ao borralho, bebendo algo quente e passar o tempo a jogar um xadrez ou, quem sabe, um jogo de snooker no bilhar aquecido da pensão. Se ao menos aparecesse um hóspede com vontade ou até mesmo um daqueles amigos com quem gostamos de falar, sempre ajudava a passar melhor o tempo.
Se mais depressa o tivesse dito, mais depressa acontecia. O Paulo estava a acabar de chegar à pensão. Vinha um pouco molhado porque não trazia chapéu e foi surpreendido pela chuva cujas pingas entretanto engrossaram. O Paulo era a companhia ideal para passar um bocado a jogar snooker.
Mal entrou, perguntei-lhe logo se estava com essa disponibilidade. respondeu-me que sim, mas só depois de tomar um café bem quente. Levantei-me e fui na direcção da máquina para tirar uma "bica" ou "cimbalino", caso prefiram.
- Então Paulo, novidades? - perguntei.
- Além do novo padre, só a vitória de Luís Filipe Menezes sobre Marques Mendes. - respondeu.
- Pois tens razão - disse eu - foi um sinal de que os militantes do P.S.D. querem uma mudança de estratégia face à hegemonia do governo P.S.
- Sim - disse o Paulo -, também partilho da tua opinião, mas acho que faltou ali alguém, igualmente importante naquele partido, normalmente, sem papas na língua e sempre com vontade de dizer o que pensa, nem que isso seja uma grande asneirada.
- Tens razão - disse eu -, talvez te estejas a referir ao actual presidente da Câmara Municipal do Porto.
- Esse mesmo - disse Paulo -, o Rui Rio em pessoa.
- Deve estar à espera de outra oportunidade, mais próxima de 2009, altura em que Portugal vai de novo a eleições legislativas. - disse eu.
- Sim, porque até agora, o que o P.S.D. fez, foi queimar candidatos a primeiro ministro - disse Paulo - primeiro o Mendes, agora o Menezes e, quando o ano de 2009 estiver quase a começar, há-de aparecer alguém que se intitule "salvador" do partido e do país, pensando estar preparado para defrontar Sócrates.
- E, provavelmente, será mesmo o Rio que se estará a guardar para essa altura. - disse eu.
- É bastante provável que seja ele a reclamar o lugar. - disse Paulo rindo.
- Mas repara Paulo, eu comparo muito o estado em que se encontra actualmente o P.S.D. ao de um exército sem guerra.
- Como assim? - perguntou Paulo, enquanto dava a tacada de saída.
- Repara só. - disse eu - Quando vivemos em clima de paz os militares encontram-se nos quartéis, onde passam horas, dias, semanas, meses e até anos sem pôr em prática aquilo que aprenderam, ou seja, lutar. Toda essa "espera", leva a que se dediquem a outro tipo de actividades, mais ou menos saudáveis, que normalmente abrem portas a pensamentos diversos, obscuros, perniciosos, que muitas das vezes originam crises de liderança, com a consequente substituição de quem lidera.
- Tal como diz o ditado "cabeça desocupada é oficina do diabo" - disse Paulo, enquanto metia 3 bolas da série grande.
- Exactamente. - disse eu - Assim, e como não existem nem pelouros, nem cargos mais ou menos importantes, nem avenças, nem outras mordomias para distribuir dentro do P.S.D., começam, entre eles, a magicar formas de alterar o "status quo" para combater a monotonia instalada.
- Tens razão. - disse Paulo enquanto metia mais duas bolas.
- A partir daí - continuei eu -, começam todos às turras uns com os outros perante a ineficácia da estratégia (reactiva) que escolheram para fazerem oposição à maioria governativa. Perante isso, e como bem sabes, voltamos ao velho ditado que diz que " em casa onde não há pão, todos ralham e nenhum tem razão".
- Vendo as coisas por essa perspectiva, és capaz de ter razão. - disse Paulo - mas acho que Filipe Menezes não vai tirar muito proveito do facto de ter ganho as directas, isto porque, não tendo assento parlamentar, não vai ter oportunidade de atacar directamente o governo, tendo que delegar essa tarefa no novo líder da bancada laranja que será, ao que tudo indica, Santana Lopes, de quem é bastante amigo.
- Muito bem visto. - disse eu - E, nesse caso, volta tudo à mesma. Santana de um lado, Portas do outro. Vai ser giro ouvi-los de novo.
Enquanto em me mantinha distraído a tirar conclusões, o Paulo acabava o jogo metendo a bola 8 num dos buracos do meio, deixando-me com 4 bolas em cima do bilhar.
- Continuamos? - perguntou Paulo.
- Claro. - respondi eu - É uma série de três, para ver quem paga o jantar - continuei.
- E qual é a ementa? - perguntou Paulo.
- Lombinhos de lebre com molho de vinho do Porto, acompanhada com batata conflitada e regados com um branco das Serras de Azeitão. - respondi.
- Época de caça, já percebi, a Susana é o máximo, pago eu o jantar - disse Paulo.
Terminámos de imediato o jogo e descemos à cozinha para jantarmos descansadamente.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

FUMO BRANCO

Com a "febre" das directas para eleger o líder, os nossos hóspedes parece que se evaporaram, não que sejam todos militantes do P.S.D., mas, tenho que admitir que o nosso concelho é maioritariamente social-democrata. Não vejo grande vantagem nisso porque, desde há praticamente vinte anos que nos governam e nem por isso nos podemos considerar satisfeitos. Por esse motivo, a Susana não teve muito que fazer na cozinha (dois ou três jantares servidos, não são motivo de desespero para uma cozinheira que, em média, elabora 50 refeições por dia) e decidiu relaxar um pouco no bar da pensão. Ainda estava com vontade de subir até aos seus aposentos mas, a meu pedido, ficou mais um bocado para beber um digestivo como ela tanto gosta.
Enquanto conversávamos acerca da actual crise da Birmânia e sobre a (violenta) actuação da junta militar sobre os monges e as manifestações pacíficas que fazem nas ruas daquele país, entra na pensão um indivíduo, todo vestido de cabedal, com botas de quem não anda de carro e com um capacete integral "enfiado" no braço. Comentei logo com a Susana que, eventualmente, se tratava de alguém que pretendia passar um fim-de-semana em Penacova e, por tal facto, escolhera a pensão para pernoitar.
A cara daquele sujeito era simpática, reparei que ostentava um discreto crucifixo ao peito e que a sua expressão era tranquila como se de um sacerdote se tratasse. Ainda nos rimos os dois, eu e a Susana, um bocadinho, por ter pensado que se tratava de uma aparição.
Abeirou-se do balcão do bar da pensão e pediu um café pingado e um pastel de Lorvão. Dispensou o açúcar e ia dando uma pequenas trincas no já de si pequeno pastel. Olhava para todo o lado, fixando o olhar nas fotografias sobre Penacova, que a D. Rosalinda fazia questão de manter penduradas na parede, pois retratavam uma Penacova bonita, bem tratada e acarinhada, num tempo em que os aristas nos visitavam ano após ano, sem se cansarem, para descansar.
A Susana, não conseguia esconder a curiosidade acerca da identidade do indivíduo. Cara nova, bem parecido, não muito novo mas também não muito velho, quem sabe a pessoa ideal para conversar um bocado sobre as coisas mais bonitas deste mundo, já que a cara do sujeito inspirava confiança e tranquilidade.
Como era bom de ver, a Susana não se conteve e, sem conseguir trincar a língua, tratou logo de meter conversa com o forasteiro. Invariavelmente começou a falar do tempo, que estava muito agradável para a época e que em Penacova, com o rio a seus pés, apetecia sempre acordar com o sol a nascer na Serra da Atalhada e inspirar fortemente até encher os pulmões com o ar fresco da neblina, tão frequente neste vale. O indivíduo não se fez rogado e, simpaticamente, apanhou a deixa e começou também a falar, por momentos, do tempo mas, minutos após, rapidamente mudou de assunto, procurando saber se as pessoas daqui eram religiosamente praticantes.
A Susana respondeu que, devido ao seu trabalho, não tinha muito tempo para praticar a religião que conhecera desde a pia ba(p)tismal. Além disso, também referiu que o pároco de Penacova, não era uma pessoa que, no seu entender, compreendesse muito bem os dias de hoje, as necessidades dos jovens, dos menos jovens e dos mais velhos. Tentou transmitir-lhe a ideia de que não era católica particante porque não gostava do padre.
A conversa começou a interessar-me. Tanto que até deixei cair um copo que, devido à, boa ou má, qualidade, não se chegou a quebrar.
Não me contive e entrei na conversa.
- Mas meu caro, não sei a sua graça, mas reparei que se preocupa com os assuntos da alma. - disse eu.
- Tem razão meu caro, desculpe a indelicadeza. Chamo-me Rodolfo Leite, sou o novo pároco de Penacova e um dos meus hobbies preferidos é andar de mota.
- De facto, há coisas fantásticas!!! - exclamou a Susana muito surpreendida com a revelação - Ainda há pouco estávamos a falar do assunto e, sem saber, encontrava-me perante um sacerdote.
- É verdade D.....- respondeu ele procurando saber o seu nome.
- Susana. - respondi eu - A melhor cozinheira que o Sr. alguma vez encontrará na região.
- É verdade D. Susana - disse novamente o novo pároco -, na maior parte das vezes avaliamos as pessoas pelo aspecto que têm e caímos do erro de as julgarmos pela aparência.
- Mas Sr. padre, se você for tão bom a dizer missa como aparenta, juro-lhe que não vou faltar a uma homilia sua. - disse a Susana com entusiasmo.
- Quanto a mim - disse-lhe eu - já ficaria muito feliz se o Sr. organizasse por cá uma concentração motard.
- A ver vamos, Sr....
- Mário. - respondi eu
- Até lá, ainda tenho que me debruçar sobre os assuntos da fé que, pelo que vejo, não é muito apelativa por esta zona. - respondeu ele.
- Pode ser que assim consiga mais seguidores. - disse a Susana embevecida com a ideia de poder vir a fazer parte do coro.
- Bom, não vos quero maçar mais.- disse o padre já de novo com o capacete enfiado no braço - Tenho que descansar porque temos à porta o fim-de-semana da estreia.
- Bem-haja Sr. padre, durma bem e não caia da sua mota abaixo. - disse eu gracejando.
Aproveitando a despedida, a Susana resolveu subir até ao quarto, talvez a pensar nas orações que tem que reaprender, para não fazer má figura e, quem sabe, a pensar na possiblidade de tentar aprender a andar de mota. Tudo é possível, pensei eu, com um pouco de fé.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

ISSO NÃO SE FAZ

O Sr. Lopes entrou de rompante pela pensão. Não era hábito seu, sendo até uma pessoa bastante cordata e amistosa.
Sentava-se no seu canto a ler o seu jornal, enquanto aguardava pela refeição ou pelo pequeno-almoço. Por norma fazia-se acompanhar de bonitas mulheres. Às vezes lá vinha com os filhos, dois rapagões, que já ultrapassavam o pai, tanto em altura como em cabelo.
Desta vez não veio, nem com elas nem com eles. Apenas sozinho, o que não era normal acontecer. Vi logo que não podia vir com boa disposição, tanto mais que nem sequer me cumprimentou como habitualmente fazia quando entrava na pensão.
Desta vez vinha vermelho de raiva e verde de inveja.
De raiva por ter sido quase convidado a sair da entrevista para onde tinha sido convidado a entrar, apesar de ter uma agenda bastante preenchida (claro).
De inveja porque viu o seu encadeado discurso ser interrompido pela chegada de um treinador, por sinal, muito bem remunerado.
O futebol e a política têm destas coisas e ele, mais do que ninguém, estará em condições de entender o mecanismo de um e de outro, uma vez que por terras do futebol, quase se perdeu, o mesmo acontecendo por terras da política, de onde foi repescado para comentar o incomentável deserto de ideias e golpes palacianos que teimam em tomar conta da Rua de São Caetano.
- Mas isso não se faz, Sr. Lopes. - disse eu com ar pesaroso.
- Claro que não Mário - respondeu -, tanto mais que recusei um convite para jantar com a Bibá e, veja só o desplante daquele canal de televisão. Nem comi nem fui entrevistado.
- Inadmissível, Sr. Lopes. - disse eu - São coisas que seriam impensáveis acontecer na altura em que o Sr. foi 1º ministro.
- Diz bem caro Mário, diz bem. Além de ser uma completa falta de respeito, ainda por cima, dizem que o Sr. Mourinho é uma pessoa extremamente importante. Mais importante ainda que um ex-primeiro ministro. - disse ele ainda mais indignado.
- Não estará o Sr. Pinto Balsemão a fazer-se ao piso para arranjar mais uns milhões para a sua estação televisiva? - perguntei.
- Talvez não, Mário e daí, não ponho as mãos no fogo. - respondeu coçando a careca.
- Mas olhe Sr. Lopes, nada que um bom chá de camomila e umas torradas em pão de forma não resolvam. - disse-lhe eu para tentar mudar de assunto.
- Boa ideia Mário, preciso mesmo de relaxar. - respondeu.
Nisto, olho para o exterior, através da porta envidraçada da pensão e, para espanto meu, vejo que se aproxima o Sr. Mourinho. De imediato, pensei para os meus botões, que a coisa poderia ficar um pouco tensa.
Os dois ali cara a cara, um pouco incomodados pelos recentes acontecimentos, provavelmente não seria muito boa ideia mantê-los próximos um do outro.
Para tentar resolver o irresolúvel, pedi à Luísa que tratasse do chá e das torradas para o Sr. Lopes, enquanto tentava encaminhar o Sr. Mourinho para a sala de baixo, onde sei que ele gosta muito de estar, mas de maneira que ele não visse o Sr. Lopes.
Dei-lhe as boas vindas, perguntei pela família e se pretendia tomar o costume.
- A família está muito boa – respondeu com um sorriso nos lábios –, agora a S.I.C. é que se portou indecentemente. Viu a interrupção que aqueles danados, fizeram à entrevista do Sr. Lopes? - perguntou.
- Claro que vi, Sr. Mourinho. - respondi -, uma vergonha sem paralelo na história da nossa televisão.
- Já reparou Mário, que nem me deixaram dar uma entrevista num local decente? - perguntou retoricamente - Ao menos que me tivessem reservado um horário exclusivo para me entrevistarem convenientemente - continuou -, onde eu tivesse a possibilidade de me preparar para aparecer nas televisões com uma postura de quem está cheio de dinheiro, mas fingindo que não e sem interromper ninguém.
- Sem dúvida que foi muito deselegante da parte deles - respondi.
- Imagino o estado em que se encontra o Sr. Lopes. - disse em tom solidário - Aquele homem tem que ter um estômago bastante forte para aguentar tanta indiferença e tanta desconsideração.
Entretanto, a virar-se para cumprimentar a D. Rosalinda que, refastelada no seu cadeirão de verga, já se encontrava mais para lá do que para cá, reparou na presença do Sr. Lopes, fazendo questão de se sentar ao pé dele. Pensei para comigo que o caldo estava entornado mas, ainda bem que me enganei, pois o Sr. Mourinho, foi de tal maneira compreensivo e sensível, que o Sr. Lopes até fez beicinho de comovido.
Quase que podia ouvir com clareza a conversa que ambos tiveram.
O Sr. Mourinho disse ao Sr. Lopes que, da próxima vez que for convidado para ser entrevistado num qualquer canal de televisão, se certifique que ele ou, quem diz ele, a nossa selecção de râguebi, não vêm de algum sítio com destino a Portugal, porque é muito chato ser relegado para segundo plano, ainda mais quando o país está interessadíssimo em discutir os problemas do P.S.D..
O Sr. Lopes ouviu-o atentamente, sempre abanando afirmativamente com a cabeça, como que concordando com (quase) tudo que vinha da boca do treinador.
Como resposta, o Sr. Lopes disse ao Sr. Mourinho, que não se iria esquecer dos conselhos que recebeu e que, para a próxima (se houver próxima) se vai certificar que não anda nenhum desportista no ar, capaz de ensombrar uma qualquer entrevista, seja ela televisiva, radiofónica, ou até mesmo telegráfica.
Depois desta sessão de esclarecimentos, que eu julguei possível ser pouco amistosa, o Sr. Lopes, preferiu um whisky velho às torradas que já estavam prontas e que eu, com sacrifício, tive que comer consoladamente.
Horas depois, sem que estivessem com vontade de se levantar, optaram por telefonar a quem estava à espera deles, para que não esperassem mais e que ficassem descansados porque, no estado em que estavam, não podiam senão...passar a noite na pensão.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

LEVANTAMENTO INDISPONÍVEL

Nunca tinha visto a D. Rosalinda assim tão cabisbaixa, não que por vezes não tivesse motivos, porque esta coisa de ter uma porta aberta, não é sempre um mar de rosas, dá muitas dores de cabeça mas, continuo a dizer que o seu semblante carregado não era normal. Achava-a inquieta, quezilenta, sem paciência alguma para ouvir quem quer que fosse, sobre qualquer assunto. O negócio não estava mau, a cozinha impecável, os hóspedes satisfeitos e a lotação quase esgotada, não fosse o quarto 23, ainda à espera do carpinteiro para arranjar o roupeiro.
Achei que era altura de lhe perguntar o que realmente se passava com ela.
- D. Rosalinda, que se passa consigo? - perguntei eu.
- Sabe Mário, eu nunca fui de partidos nem de inteiros, sempre achei que todos eles queriam era poleiro e, por isso, sempre optei por manter a minha neutralidade em questões de política, excepto durante o Estado Novo, altura em que dei guarida a muitos que, a fugir da P.I.D.E., me vinham bater à porta às tantas da madrugada. - respondeu ela.
- Tudo bem D. Rosalinda - disse eu -, mas a Srª. anda inquieta com alguma coisa. Desde ontem que anda muito metida consigo.
- A questão é que - respondeu ela -, recebi pelo correio uma carta do P.S.D., com a informação de que tinha as minhas quotas pagas até ao fim deste ano e que, por essa via, estava legitimada a exercer o meu direito de voto na eleição do presidente do partido.
- Mas a Srª. nunca foi filiada no P.S.D.!!! - disse eu admirado.
- Claro que não Mário - respondeu ela, nem nesse, nem em nenhum outro, daí a minha indignação.
- Mas D. Rosalinda, provavelmente terá sido engano e alguém daquele partido necessita de militantes à força, para ganhar as eleições e, nesse caso - disse eu -, a Srª. devia tentar ligar para alguém a pedir satisfações.
- É o que vou fazer Mário - disse ela, mas não hoje que já estou com a cabeça a rebentar.
- Pois sim, D. Rosalinda, durma bem e não pense mais nisso. - disse eu para a reconfortar.
A D. Rosalinda subiu para o andar de cima e eu continuei a desfolhar jornal do dia pensando na confusão que vai naquele partido. De facto, ser oposição não é nada fácil. Rolam cabeças, zangam-se as comadres. Os que eram amigos ficam inimigos e os que não se podiam ver, fazem alianças estratégicas, a troco de benfeitorias.
Mas não deixa de ser muito conveniente (para alguma das partes) que, por exemplo, em 152 minutos, numa caixa multibanco fossem pagas 115 quotas e noutra, em 72 minutos, fosse pagas 120 . Ninguém anda para aí a desbaratar dinheiro se não fosse por um forte motivo. Se já assim, na oposição, apunhalam pelas costas os colegas de partido, imagine-se as manobras de bastidores que não acontecem quando estiverem a governar.
Só acho estranho que alguns dos habituais barões daquele partido não apareçam em público a pedir calma e bom senso neste período difícil para o P.S.D., sim porque, mais tarde ou mais cedo, vamos ter que “gramar” com eles outra vez. É tão certo como me chamar Mário. Faz-me lembrar o Rotativismo.

OLHOS EM BICO

Chiang Tong, é um indivíduo franzino, baixo e com o cabelo fino e espetado. Tem uma esposa, também franzina e com cabelo fino e um filho não tão franzino e com cabelo não tão fino. Está connosco, em Penacova, há cerca de 5 anos. Veio de uma província chinesa e, até se instalar definitivamente nesta pacata vila que escolheu como destino, passou os primeiros tempos na pensão. Na altura, a sua postura como pessoa de outras paragens era, como se poderia esperar, muito reservada. Apesar de terem um sorriso simpático e uns olhos pequenos e rasgados, mantinham uma posição defensiva. Não saíam por aí à procura de locais bonitos e desconhecidos. Não mostravam interesse pelos costumes da terra ou pela religião das pessoas. Se iam à missa ao domingo, se almoçavam às 13 ou se viam futebol aos fins-de-semana. Apenas sabiam que eram pessoas sem grandes posses que, tal como eles, procuravam comprar o mais barato, desde que fosse em quantidade.
Depressa conseguiram adquirir um espaço onde instalar a sua "loja dos chineses", onde um jogo de ferramentas custava 1 euro, uns óculos de sol custavam 1 euro, um frasco de verniz para as unhas custava 30 cêntimos ou três lâmpadas economizadoras se podiam comprar a 1 euro e 50 cêntimos. Enfim, onde tudo era mais barato do que em qualquer outro estabelecimento comercial das redondezas.
Pelo facto de não terem a "nossa" religião, não se sentiam, moralmente, obrigados a fechar portas ao domingo, dias em que, quem vinha à missa, sempre passava por lá para, além de ver, comprar coisas baratas e úteis “a preços da China”.
Como também não tinham que encerrar para almoço, mantinha as portas abertas durante mais tempo, o que dava bastante jeito quando alguém se lembrava que se tinha esquecido, entre outras, de comprar uma carteira de fósforos ou um isqueiro para acender o fogão.
Claro que alteraram os hábitos, tantos das gentes como dos comerciantes da nossa terra. Estes últimos não se mostraram muito ameaçados pela concorrência, chegando até à conclusão que, também eles podiam abrir aos domingos e não fechar para almoço. Alguns até conseguiram fazer-lhes concorrência, vendendo produtos igualmente baratos, “a preços da China”, portanto, coisa que não acontecia até à chegada dos chineses à nossa terra.
Toda esta história me fez lembrar a vontade que Nogueira Pinto tem em construir uma Chinatown em Lisboa, com o objectivo de, segundo diz, combater a concorrência desleal e de proteger o singular comércio local lisboeta. A ideia não terá partido dela mas sim daqueles que se sentem ameaçados pelo "perigo amarelo" e que já sentiram ameaçados pelo "perigo indiano" ou "africano" e que na srª. encontraram uma porta-voz para os seus medos, tanto mais que ela tem a vantagem de ter votado, para melhor português do séc. XX, num ditador nacionalista, detentora, portanto, de um perfil adequado à nova cruzada.
Considerações à parte, apenas sei que Chiang Tong e a família já se encontram em Penacova há cerca de 5 anos, falam português suficientemente bem para vender o que têm para vender e já têm um filho com três anos que, vá-se lá saber porquê, se chama Afonso.
Mal ou bem, fazem parte do quotidiano penacovense. Sempre que podem, almoçam na pensão aos fins-de-semana, obrigando até a Susana a acrescentar na sua lista de compras, rebentos de soja, barbatana de tubarão e algas marinhas. Gostam de futebol e já gritam quando o Benfica, o Sporting ou o Porto marcam golos ao adversário.
Nesta terra foram bem aceites e, fazem os possíveis, por se integrarem no dia à dia dos penacovenses, o que não era de estranhar que acontecesse pois foi assim que, há mais de quinhentos anos, alguns dos nossos patrícios foram recebidos na China. Portanto, não foram eles que descobriram o caminho para Portugal, foram os portugueses que lhes ensinaram o caminho.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

À MESA COM MAGIA

Aquela cara não me era estranha. Pediu para ficar numa mesa junto à janela virada para o rio. Para comer, escolheu o cabrito assado no forno, prato que desde logo aconselhei por saber que a Susana o prepara divinamente.
- Para beber? - perguntei.
- Talvez um "Cabeça de Burro", colheita de 2004. - respondeu.
Acenei afirmativamente com a cabeça e, de imediato, fui preparar o decantador para receber aquele magnífico néctar que as vinhas do Douro nos dão o privilégio de degustar .
Reparei que aquele quase conhecido, tinha um gosto refinado, talvez por estar habituado a frequentar locais onde se serve bem, tanto de comer, como de beber. Modéstia à parte, tenho quase a certeza que a "Pensão Viseu" é o local ideal para quem aprecia um bom prato acompanhado por um bom vinho.
Para as entradas sugeri um polvo em vinagrete ou uns pastéis de bacalhau. Ficou pelos segundos e quase que pedia mais uma doze de quatro, não fosse o pouco tempo que teve que esperar pela refeição que escolheu.
Deixei aquele, quase, forasteiro apreciar a paisagem por entre garfadas demoradas de cabrito e grêlos.
O tempo foi passando, outros foram chegando e perguntando se podiam jantar. Alguns preferiram acomodar-se em primeiro lugar e vestir umas roupas mais adequadas, para depois descerem e instalarem-se numa das (já) poucas mesas disponíveis.
A D. Rosalinda não tirava os olhos daquele que fez questão de tomar a refeição junto à sua janela preferida. Disse igualmente que o conhecia, só que não sabia de onde. Que aquela cara de menino, a fazia lembrar alguém que já viu algumas vezes na televisão, só não lhe vinha à ideia de quem se tratava pois, a televisão faz as pessoas diferentes.
Passada uma boa meia hora, reparei que os talheres já se encontravam na posição que nos transmite o fim da refeição. Então, delicadamente, aproximei-me da mesa e perguntei se pretendia algo mais.
- Olhe - disse -, o que eu realmente pretendia, era poder ver esta maravilhosa paisagem, sempre que estivesse cansado dos meus espectáculos de magia.
Aí fez-se luz, era ele mesmo. Como podia ter sido tão distraído, tinha à minha frente o mágico Luis de Matos.
Muito linsongeado, perguntei-lhe porque razão tinha optado por jantar na pensão e respondeu-me que tinha estado o fim-de-semana na cidade de Coimbra a apresentar a Grande Gala Internacional de Magia e, em conversa com colegas, soube que, em Penacova, existia uma pensão bastante acolhedora, com uma óptima cozinha e ideal para relaxar.
- Olhe Sr. Luis de Matos - disse eu -, quem lhe deu essa informação não o enganou. Provavelmente - continuei - até por cá já passou e, pelos vistos gostou.
- Penso que sim - retorquiu -, penso que já foi hóspede desta pensão e não se enganou quanto à paisagem e quanto à comida.
- Muito obrigado - respondi com orgulho -, fazemos todos os possíveis para agradar.
- Agora - disse -, só preciso de saber onde ir para fazer a digestão deste extraordinário manjar.
- Posso sugerir um passeio até ao Mirante, um local de grande beleza, onde pode apreciar o Mondego e a paisagem que o envolve.
- Óptima ideia, acho que vou aceitar a sugestão. Mas antes disso - disse -, pretendo reservar um quarto, com vista para o rio, onde possa passar esta noite, porque amanhã vou ter que ir para o Norte, para mais uma ronda de espectáculos de magia.
- Assim seja. - disse eu - Quando chegar, terá à sua espera, um dos melhores quartos da pensão.
- Já agora, se me permite - perguntei eu - estaria na disposição de nos presentar com um pouco da sua magia?
- Com todo o prazer. - disse sem um pingo de hipocrisia - Quando chegar do meu passeio, espero encontrar todos os hóspedes no salão para assistirem a uns minutos de ilusão.
Agradeci e, correndo, fui avisar todas as pessoas da surpresa que iriam ter esta noite.

domingo, 23 de setembro de 2007

POVO SUPERSTAR

Já todos tinham subido para os quartos e eu, apenas me encontrava no bar da pensão, à espera que o Paulo acabasse de tomar a cerveja que lhe tinha servido. Enquanto isso, na SIC, estava a dar a "Família Superstar", o novo programa dos serões de Domingo daquele canal, onde algumas famílias portuguesas dão o seu melhor para conseguir convencer o júri de que as suas qualidades vocais são extraordinárias, a ponto serem dignas de passar à fase seguinte. O que me chamou à atenção não foi tanto o facto de uns serem melhores intérpretes que outros, de conseguirem colocar a voz mais acima ou mais abaixo ou até mesmo de conseguirem acompanhar o parceiro e entrar no momento certo. O que de facto me chamou à atenção foi a forma como encaravam o passagem ou não à fase seguinte. Nota-se no olhar de quem vence uma alegria imensa como se tudo aquilo que fizeram parecesse, momentaneamente fabuloso. Quando acontece o contrário, nota-se uma sensação desgosto, de desalento por mais uma tentativa falhada, tornando este concurso mais um igual a tantos outros que, durante o dia, a semana e os meses, nos invadem a "caixa que mudou o mundo".
O Paulo, ao ver-me de olhar tão fixo a olhar para a televisão, perguntou-me em que é que estava a pensar e eu, respondi-lhe que estava a ver nas pessoas momentos de alegria e de tristeza, mas sobretudo, estava a ver a forma como cada um ali chegou e, depois, dali saiu.
- Sabes Paulo, admiro o povo português. Apesar da crise, apesar das dívidas, apesar de serem constantemente usados e abusados pelos políticos, pelos patrões, pelos maridos, pelas mulheres, pelo polícia, pelo fiscal, pelo vizinho, ainda conseguem sorrir, amar e lutar, quando lhes dão a oportunidade de mostrarem aquilo que realmente valem.
Em todas as circunstâncias - continuei eu - em que foi necessário alguém seguir à frente ou ficar para trás à espera de quem não conseguia, esse alguém era português.
- É por isso que todos abusam de nós - disse o Paulo muito seguro de si -, sendo por isso também, que todos sabem com quem podem contar, quando chega a hora de ter que ser. Somos verdadeiramente extraordinários.
- Só é pena termos ficado, apenas, como este pedaço de território, todo virado para o mar e, como se não bastasse, termos com a Inglaterra, uma relação de subserviência e a mais antiga aliança do mundo. - disse eu para rematar.

BATATAS A MURRO

Inesperadamente o sol brilhou hoje de manhã. Tanto, que os hóspedes optaram por tomar o pequeno-almoço na esplanada da pensão. As águas do rio Mondego estavam mais bonitas do que nunca a reflectir a luz do sol. No areal, já os kayaks esperavam, lado a lado, que os inúmeros turistas os levassem até à Misarela. Entretanto desceram até ao salão a menina Alice e o João.
Perguntei ao João se tinham gostado da actuação do "Quarteto de Hugo Antunes".
- Adorei. - disse - Só não gostei foi da actuação da Câmara Municipal. - entidade que acolheu a iniciativa.
- Sim - disse eu concordando -, das vezes que fui assistir a algum evento desta ou de outra natureza, chegava ao local, já as portas estavam abertas, as luzes acesas e encontrava-se alguém para informar as pessoas do que se ía passar, e a que horas. Enfim, alguém que representasse a organização.
- Pois - disse a Alice -, quando lá chegamos, tudo se encontrava encerrado como se nada ali fosse acontecer. Depois lá apareceu alguém que disse ter a chave de acesso ao salão, mas que nada tinha a ver com o município.
- Era um dos músicos - disse o João, - aquele que tocava contra-baixo. Coitado, nem sabia onde se acendiam as luzes do palco.
- Nem tinha que saber. - disse eu -. Como é que é possível alguém imaginar uma situação destas. Se fosse folclore ou algum grupo coral, de certeza que os responsáveis pelo pelouro se encontravam lá todos, muito arranjadinhos, com as habituais saquinhas com nevadas de Penacova, pastéis do Lorvão, palitos de flôr, etc...
- Pois é - disse indignada a Susana -, apenas vi lá o Eng. Pedro Carpinteiro, sentado numa cadeira, muito acabronhado, como se estivesse a "rezar" para que ninguém o visse e lhe perguntasse onde é que andou até ali.
- Escandaloso!!! - disse eu -, que gente, que sentido de responsabilidade têm aqueles que nos representam.
- Não estranhes Mário - disse a D. Rosalinda -, os autarcas de Penacova, nunca primaram por fazer as coisas brilhar nesta terra. Desde há 20 anos a esta parte que Penacova parou no tempo e isso prejudica o turismo e o futuro dos jovens de cá, obrigando-os a procurar ocupação noutras paragens.
- Lembram-se daquelas pessoas, que chegaram pouco tempo antes da actuação, e disseram que tiveram conhecimento do evento minutos antes no café? - disse o Luís, também ele indignado pela forma como tudo se passou e acabado de chegar junto de nós.
- Valeu pela qualidade do espectáculo - disse eu -, pelo desempenho dos músicos e pelo calor que lhes foi transmitido pelas cerca de vinte pessoas que compunham a assistência. Apesar de tudo, estou convencido que gostaram de actuar, a julgar pelas palavras de um dos músicos.
- Só é pena que não ocorram mais iniciativas destas em Penacova, para nos dar algum entertenimento nos dias de Inverno que se aproximam - disse a Susana já aflita a olhar para o relógio por causa dos almoços.
- O que vai ser para hoje Susana? - perguntei eu.
- Uma coisa que o Mário muito gosta - disse -, Bacalhau à lagareiro, com batatas a murro.
- Humm!!!, maravilhoso - disseram todos -, estamos ansiosos.
Entretanto, eu dava uma vista de olhos pelos títulos dos jornais e, num deles, lia que as misericórdias se disponibilizaram para ajudar o governo na resolução das listas de espera dos doentes que aguardavam vez para serem operados aos olhos e, pensei logo que o Sr. Gerónimo já não necessitava de ir para Cuba. Que bom para ele.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

JAZZ EM CADEIRAS DE PAU

Facto inédito este em Penacova. Pela primeira vez, desde que me lembro, vai actuar no próximo dia 22 (Sábado), no salão da Casa do Povo de Penacova um grupo de jazz, denominado "Quarteto de Hugo Antunes" vindo de uma actuação no Centro Cultural de Vila Flor em Guimarães, no âmbito do Portugal Jazz - Festival Itinerante de Jazz.
Não fosse a pesquisa feita ao site do Município de Penacova, não teria tido conhecimento desse evento, que tão timidamente nos é dado a conhecer.
É com agrado que verifico alguma actividade nessa área por parte dos organismos existentes em Penacova, com essa e com outras vocações.
A questão da adequabilidade e da acústica do espaço para receber uma banda de jazz, não terá sido bem avalidada pela entidade promotora mas, à falta de melhor, são bem-vindas estas iniciativas. Pena é, que não exista um auditório adequado para receber este e outros tipos de "encontros" musicais que não se enquadram no tipo de agrupamentos que se encaixam no Mosteiro do Lorvão.
Perguntei à Luísa se queria ser a minha companhia nessa noite, mas ela respondeu-me de imediato que não, por não ser esse o estilo de música que prefere e por não perceber muito bem como é que conseguem chamar àquilo música. Enfim, não respondi, como é óbvio. Já a menina Alice, o João e a Susana, mostraram-se, de imediato, bastante entusiasmados com a possibilidade de poderem assistir a um concerto de Jazz, mesmo ao pé da porta e a um preço (julgo eu) tão acessível (2,50 euros).
De qualquer maneira, não querendo ser pessimista, desejo que essa noite não seja (mais) uma para esquecer, tendo em conta o número de iniciativas que têm lugar nesta terra, especialmente vocacionadas para um público diferente daquele que, por norma, é mais acarinhado.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

VALE A PENA LER

O dia de hoje esteve fraco, não houve muitos almoços, os hóspedes são em menor número do em igual mês do ano passado. A crise afecta todas as pessoas e as primeiras coisas a "cortar", são as férias e as refeições fora de casa. Além disso, o tempo também não ajuda. Não fossem os estudantes e os funcionários públicos, a coisa ficava mesmo "preta".
A menina Alice chegou das aulas e comentou que os mais pequenos transportam às costas mochilas de tal maneira carregadas, que muitos precisam de ajuda para subir as escadas que dão acesso às salas dos andares superiores da escola. Fico sem perceber muito bem porque razão é que os miúdos de hoje têm que andar tão "vergados" com o peso dos livros. Todos os dias, de casa para a escola, da escola para casa, enfim, em constante movimento com a carga às costas.
Será que a médio/longo prazo, não terão problemas de coluna por terem que carregar desde cedo, o peso da sabedoria, ou será que é mais uma orientação política que o governo adoptou para melhorar o ensino, sem ter em conta a saúde? "Doentes mas inteligentes", será o slogan mais ouvido.
Entretanto chega o João e comenta o mais comentado assunto do dia. Mourinho rescinde, amigávelmente, o contrato que mantinha com o Chelsea pela módica quantia de 25 milhões de euros, coisa pouca para um homem cuja fortuna pessoal está avaliada em 15 941 milhões de euros. Entretanto, a atalho de foice, vem à baila o castigo sofrido por Scolari.
- Quatro jogos de suspensão não é muito nem é pouco. - disse eu.
- Talvez lhe sirva de lição. - disse o João
- Creio que o homem está cá hà tanto tempo, já recebeu tanto mimo, que ficou contagiado com os hábitos do povo português.
- Se não vai a bem, vai a mal - pareceu-me ler nos seus lábios quando desferia um murro sobre o jogador sérvio Dragutinovic (dragãozinho em português). Ao agir dessa forma, agiu como só um jogador seria capaz de agir. - disse eu.
A D. Rosalinda dormita no seu sofá preferido. O livro que agora lhe prende a atenção é "o monge que vendeu o seu Ferrari" um best seller de Robin Sharma, que conta a estória de um homem muito ambicioso e obcecado pelo dinheiro, que parte em busca da paz interior e da felicidade, após ter sido vítima de um enfarte. É uma bonita fábula que nos ensina a melhorar a nossa vida e a olhá-la de forma positiva. Vale a pena ler.
Entretanto um desconhecido, sem flores, entra pela pensão adentro e, abeirando-se do balcão, pergunta se pode deixar um folheto. Perguntei-lhe sobre que assunto é que tratava e respondeu-me que era para assinalar o Dia Mundial do Alzheimer. Respondi que sim, que podia deixar e servi-lhe um cafézinho curto e sem açucar, tal como havia pedido.
Sem sequer mostrar que se tinha escaldado, bebeu-o de um golo, agradeceu e despediu-se.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

AMEAÇA "NUCLEAR"

Pelo menos, uma vez por semana, tenho que ir ao correio. Saio da pensão, passo pelo Terreiro, desço a Escada Grande, continuo pela Rua da Palmeira até às Portas Verdes e, em frente ao Largo de São Francisco, fica a estação dos correios, único edifício que não se integra no recém recuperado centro histórico da vila.
Sem dúvida que foi uma obra bem arquitectada, bem executada e bastante necessária. Quem passar, apenas, por aquela rua, verá que nada foi deixado ao acaso. Tudo combina, tudo se apresenta limpo e asseado. Contudo, se for pela rua das traseiras, então aí, o caso muda de figura. Parece que aquele outro lado não faz parte no mesmo centro histórico. Paredes e paredões por pintar, casas a cair e por cair, precipícios não assinalados e sem qualquer protecção, silvados e ervas daninhas a crescer sem oposição, enfim, tudo diferente como que a lembrar o caos. Pela frente uma beleza, pelas traseiras uma tristeza.
Entro naquela estação e senti frio, o ar condicionado estava ligado.
Enquanto esperava ser atendido, fui olhando para os livros que, nas estantes, esperavam por alguém que, tal como as crianças num orfanato, gostasse deles e os levasse. Um livro sobre "os melhores petiscos do mundo" chamou-me a atenção e decidi levá-lo pois, um professor calado faz sempre jeito quando nos falta a imaginação perante uma indecisão de um qualquer hóspede quando, num fim de tarde, apetece algo fresco e um tapa.
Já de volta à pensão, como o livro debaixo do braço, encontrei o Paulo, amigo de há muitos anos que, de quando em vez aparece para falarmos um pouco sobre o país e o mundo.
Convidei-o para bebermos algo na esplanada da pensão.
Aceitou com delicadeza e pediu uma cerveja fresca acompanhado com os "tremoços da Luz", vendedora por conta própria que, todos os dias os vende no muro junto da Igreja ou nas escadas do fotógrafo.
- Boa ideia. - disse-lhe eu - Acompanho-te nas duas coisas.
Falámos, preocupadamente, na crise do Irão. Do braço de ferro entre aquela (nova) nação nuclear e no perigo que ela representa para o médio oriente e para o mundo.
- Ainda há uns minutos, subiram de tom as ameaças do líder daquele país, perante o pedido de intensificação das sanções por parte da França. - disse eu referindo-me ao Irão.
- Talvez não passe de um falso alarme. - disse o Paulo com algum cepticismo.
- Tomara que sim - respondi eu - mas não creio que os E.U.A. deixem escapar esta oportunidade de encontrar aliados, na defesa da sua política para o Médio-Oriente. Até Condoolezza Rice já "puxou as orelhas" ao director-geral da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), Mohammed ElBaradei, portanto, a coisa está a ficar muito feia.
- Assim sendo, a tensão está a crescer naquela parte do globo, tanto mais que a Rússia e a China já vieram a terreiro dizer que uma iniciativa dessa natureza e com essa envergadura, arrastará para uma guerra sem quartel, não só o Médio-Oriente, mas todo o mundo o que significaria uma catástrofe total de repercussões inimagináveis. - disse o Paulo com ar carregado.
- Sem dúvida, um cenário dantesco, ao qual é impossível dizer, com absoluta certeza, se alguém sobreviverá. - disse eu um pouco angustiado.
- De qualquer maneira, enquanto eles não se resolvem por lá, que venham para cá mais uns tremoços e mais duas cervejas porque, daqui a nada, vamos sofrer mais um bocadito pelo Sporting.
- Assim seja. – disse eu já levantado em direcção ao bar.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

OLHO CUBANO

Gerónimo não era o que se podia considerar um hóspede regular. Às vezes vinha, outras não vinha e, quando estava disposto a vir, telefonava um dia antes a dizer que, afinal, já não podia. Por acaso desta vez veio e, como era hábito seu, pedia sempre para ser alojado no quarto 23 só que, depois de lhe ser entregue a chave e de subir até a terceiro andar, regressava sempre à recepção a dizer que a chave não entrava na porta. Esquecia-se, porém, que o quarto que tentava abrir era o 32 e não aquele que realmente pretendia ocupar.
Todos, na pensão, já o conheciam e, por saberem que sofria de astigmatismo, não estranhavam as suas confusões, tanto com os números, como com a marca das cervejas ou até mesmo com o dinheiro. De cada vez que pretendia pagar alguma coisa, ficava sempre à espera de troco, mesmo quando o dinheiro que entregava não era suficiente para pagar aquilo que pedira. Lá ficava ele encostado ao balcão, ou à mesa que fosse, com aqueles óculos de fundo de garrafa, sem que alguém percebesse muito bem o que ele queria.
Mas isso não nos causava qualquer tipo de incómodo pois nem o Gerónimo era um hóspede muito frequente, nem levava a sua distracção muito a peito, tendo alturas até que se ria da sua limitação. Dizia que estava à espera de ser operado já fazia dois anos, sem que ainda o tivessem chamado.
A Luísa, pessoa habitualmente distante destes problemas terrenos, mais preocupada com o amor da sua vida e em decorar as suas cantigas pimba, comentou com o Sr. Gerónimo que, em Vila Real de Santo António, 14 pessoas iam ser operadas em Cuba, no âmbito de um protocolo que aquela autarquia celebrou com uma cidade sua geminada daquele país.
- Ai sim!!!! - respondeu o Sr. Gerónimo muito admirado.
- É verdade - disse a Luísa - e a lista de inscritos já vai em 150.
- E quando é a partida menina Luísa? - perguntou o Sr. Gerónimo.
- A partida não sei, mas garanto-lhe que é para breve. - respondeu a Luísa.
Eu, como tinha lido qualquer coisa acerca do assunto, disse-lhe que a partida estava marcada para sábado e, ao fim de 15 dias, os pacientes já estavam de novo em casa e a ver muito melhor.
- Espantoso. - disse com alegria o Sr. Gerónimo - Se me apressar ainda posso tentar ficar com a vaga de algum desistente. Só é pena não estar completamente curado para ver o Benfica a jogar contra o Milão.
- Talvez tivesse mais sorte se conseguisse ver o F. C. do Porto contra o Liverpool. - disse eu.
- Essa teve piada. - disse o João, sabendo que sou simpatizante do clube azul e branco.
A conversa ficou por aqui e o Sr. Gerónimo não teve outro remédio senão continuar à espera de ser chamado para ser operado, pois não pretendia tornar-se cidadão Vilarealense nem viajar até aquele país. Mas, cá para os meus botões, continuei a pensar no ridículo da situação.
Como governante sentir-me-ia muito incomodado se cidadãos do meu país tivessem que ir a outro realizar uma operação que aqui não conseguiam e ainda por cima, num país por (quase) todos considerado pária. É certo que cada um tem que procurar o sítio onde seja melhor tratado mas, haja paciência, o problema é puramente estrutural, diria mesmo cultural porque, no nosso país, a classe médica está acima do comum dos mortais, bastando para isso, ver a média de entrada nos cursos de medicina e a necessidade de, cada vez mais, existirem médicos para combater as sempre crónicas listas de espera, a ponto de ser necessário equacionar a contratação daqueles profissionais noutros países.
Será que os nossos médicos são melhores que, por exemplo, os médicos espanhóis, ou será que os "numerus clausus" só existem, para que seja possível ter um consultório privado e ir fazendo umas horitas de serviço público?
É uma questão que nos afecta a todos, tanto mais que, muitos daqueles que nos observam, tratam e curam, frequentaram universidades espanholas, onde as médias de entrada são inferiores, e acabam por regressar com as mesmas habilitações que aqueles que não tiveram necessidade de se ausentar têm. É pura demagogia, ironia e até uma provocação. Um faz-de-conta, que nos ilude cada vez que necessitamos de ir a um centro de saúde ou a um hospital e ouvimos uma voz simpática dizer em castelhano.
- Buenas noches, Señor! Qué pasa?.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

A NOVA QUIMERA

A Susana, nossa cozinheira, informou a D. Rosalinda que, brevemente iria ser necessário repensar o preço da doçaria, do pão e da broa.
- E porquê? - perguntou indignada a D. Rosalinda
- Porque, não tarda nada, tudo vai aumentar de novo - respondeu.
- Bom, a ser assim - disse a D. Rosalinda - vamos ter que aumentar (mais uma vez) o preço das refeições e, consequentemente, o preço das bebidas, da estadia, enfim, de tudo o que consumimos e que damos a consumir.
- Mas porque motivo é que se torna necessário aumentar constantemente o preço dos bens considerados essenciais à alimentação humana? - perguntou a menina Alice, já chegada da escola e ansiosa por esclarecer algumas das dúvidas que, regularmente, surgem no decorrer das aulas.
A Luísa, perante a pergunta, virou repentinamente as costas e encaminhou-se para a cozinha, demonstrando não estar muito interessada na resposta.
Entretanto chega o João que, por coincidência, já tinha ouvido falar do assunto na escola de hotelaria que frequenta e, com muita convicção, explicou à menina Alice o porquê dessa necessidade.
- Ainda bem que pergunta, menina Alice. Hoje mesmo, numa aula sobre panificação, houve quem perguntasse porque razão é que as (constantes) subidas de preço dos combustíveis, influenciavam o preço, tanto dos cereais, como da generalidade das matérias-primas e, consequentemente, do produto final. A resposta era óbvia - continuou ele - , pois nada se move sem combustível. Logo, aumentando um, aumentaria o outro e assim sucessivamente.
- Pois muito bem - disse a menina Alice - mas só por si, esse fenómeno não pode influenciar o encarecimento dos cereais.
- Claro que não - respondi eu - até vos digo mais. Até aqui, sempre que subia o preço do combustível, sabíamos que, mais tarde ou mais cedo, tudo o resto aumentaria. Agora, vamos ter que contar com outros factores que, além do combustível, também vão influenciar o preço de tudo aquilo que consumimos.
- Quais? - perguntaram todos em uníssono.
- Li há pouco um artigo que abordava essa questão e, pelo que percebi, para além do preço do combustível, também temos que contar com a destruição das colheitas, provocada pelas alterações climáticas e, não menos importante, com a utilização dos cereias na obtenção biocombustíveis. - expliquei eu.
- Com tanta utilização que pretendem dar aos cereias, qualquer dia teremos que comer acendalhas e beber gasolina - exclamou a Susana gracejando.
A gargalhada foi geral e todos foram acabar os seus afazeres, que não eram assim tão poucos, porque a hora do jantar já estava próxima e ainda nem sequer as mesas estavam postas.

TORRADAS COM GELEIA

Esta noite adormeci com o bater constante da chuva na caleira de metal que passa mesmo junto à janela do meu quarto. Funciona como o tic-tac dos despertadores a corda. A princípio parece que nos incomoda, mas depois acaba por nos embalar a fazer lembrar uma cantilena daquelas que as nossas mães nos cantavam para nos adormecer.
Quando acordei já não foi com o sol, como até aqui. O Céu estava nublado e a chuva, por fim, apareceu. Nem muito forte, nem muito mansa. Ideal para regar as culturas e começar a ensopar as terras, preparando-as para receber as enxurradas de Inverno.
Na Rádio, a notícia de abertura dos noticiários, centrou-se à volta da alteração ao Código de Processo Penal e das consequências que tais "novidades" vão ter na sociedade e no funcionamento da própria justiça. Aparentemente, ficamos com a ideia de que vão ficar injustamente à solta uma quantidade de indivíduos que aguardavam em prisão preventiva, a dedução de acusação ou mesmo a realização do julgamento, tendo em conta o tipo e a gravidade do crime que cometeram. A ser assim, e uma vez que foram reduzidos os prazo de prisão preventiva, muitos irão aguardar em liberdade o tempo que, com a anterior situação, aguardariam "atrás das grades".
Ao descer até à cozinha, já sentia o cheirinho a café acabado de fazer. Já estavam todos sentados à volta da mesa grande, com tampo em mármore branco polido e ligeiramente gasto com as marcas que os anos e as repetidas refeições foram deixando.
- Bom dia a todos. - disse eu
E todos me responderam com um abanar da cabeça porque estavam demasiado ocupados a saborear a primeira e mais importante refeição do dia.
Por entre dentes a D. Rosalinda advertiu-me da necessidade de, mais do que nunca, verificar a identidade dos possíveis hóspedes, não fosse algum dos presos que beneficiaram da redução dos prazos de duração da prisão preventiva deste fim-de-semana, desejar ocupar a pensão até conhecer a decisão final sobre o seu processo. Além disso também me informou que os hóspedes dos quartos 27 e 28, estavam de saída até ás 12 horas e já tinham pedido a conta.
Depois de saborear as magníficas torradas acompanhadas com aquela extraordinária geleia, subi até à recepção a fim de tratar das questões pendentes e de, começar um novo dia.

domingo, 16 de setembro de 2007

O ESCOCÊS VOADOR

Tinha acabado de chegar à pensão, vindo do quiosque do Sr. Daniel, onde, habitualmente, compro os jornais do dia. A manchete de quase todos eles, dava conta da notícia da morte de Colin McRae, piloto de ralis de nacionalidade escocesa que, em 1995, deu ao Reino Unido o primeiro título de campeão mundial de ralis Foi vítima mortal de um acidente de aviação quando, no passado sábado, o helicóptero que pilotava se despenhou a menos de 1000 metros da sua casa na Escócia.
Quem, como eu, aprecia aquele desporto motorizado, e é capaz de andar dezenas de quilómetros para passar uma ou duas noites à volta de uma fogueira à espera de começar a ouvir o "roncar" das máquinas a descer a serra, sentiu de certeza um aperto no coração quando leu a notícia.
É pena que alguém com tanta jovialidade e uma carreira promissora pela frente, veja esse percurso interrompido por um acidente cujas causas as autoridades ainda não conseguiram explicar e que ocorreu quando as condições atmosféricas não o faziam prever.
Só lamento que o nome pelo qual se tornou conhecido, quando conseguia tirar o melhor partido das máquinas que pilotava, ao ponto criar uma sensação única nos espectadores, não tenha valido de nada naquela hora em que era mesmo necessário voar.
Ironias do destino.

sábado, 15 de setembro de 2007

SÁBADO À NOITE

Os sábados à noite são bastante calmos na pensão. Os hóspedes que optaram por passar o serão connosco, estão a preparar-se para iniciar um momento de lazer.
As alternativas são algumas. Temos xadrez, damas, dominó, dados, o jogo do galo e também os dardos para afinar a pontaria.
O casal que chegou ontem optou por jogar uma partida de xadrez.
Eu estava a meio de um jogo de dominó com o João.
São cada vez mais as pessoas que optam por passar algum tempo a exercitar o cérebro. Dizem que previne as doenças que nos afectam quando somos mais velhos e, como a esperança de vida, na Europa, tem tendência para a aumentar, a necessidade de nos mantermos lúcidos, torna-se cada vez mais imperiosa. É uma questão de sobrevivência mental.
Enquanto isso, alguns fazem as contas ao campeonato de futebol e já dizem que o F. C. de Porto está imparável e, mais uma vez, sem surpresa, irá ganhar o campeonato. Quanto ao Benfica, ganhou ao Naval, tornando assim o campeonato mais interessante e gorando as expectativas de alguns.
O Sr. Amilcar e a esposa, D. Gabriela, visitam-nos todos os anos por esta altura e fazem questão de ocupar sempre o mesmo quarto e de tomar as refeições na mesma mesa. É assim, desde 1992, altura em que escolheram Penacova para passar as suas férias. Dizem que o ambiente da pensão é magnífico e que todos somos uma família.
A D. Rosalinda está quase a dormir profundamente no seu sofá predilecto. Aquele que fica junto à janela mais bem posicionada da sala de jantar. Quando está acordada, costuma dizer que daquele sítio a vista nunca muda e quando muda, é sempre para melhor. Os pinheiros mantém-se constantemente viçosos e as giestas quando estão em flor, dão um toque especial à paisagem.
Entretanto o hóspede do quarto 16 pede um chá de erva-cidreira, (adoro chá de erva-cidreira porque, entre outras coisas, alivia a tensão, ajuda na digestão e acalma os nervos). Ultimamente tenho verificado que a opção por aquilo que é natural, em detrimento dos químicos de que abusamos constantemente, está a ganhar adeptos em todas as faixas etárias porque é na natureza que reside o segredo do nosso bem-estar.
A distracção fez com que o João me ganhasse, pela terceira vez consecutiva, o jogo de dominó, provocando em mim uma falta de interesse em continuar jogar.
Como está tudo calmo, aproveito para me ausentar por quinze minutos para arrumar a esplanada e fechar as persianas do andar de baixo, não vá o diabo tecê-las.
O frio começa a intensificar-se, trazendo as saudades da lareira à volta da qual contamos as histórias e vamos amolecendo até irmos para a cama. Por falar nisso, e ainda bem que me lembro, tenho que falar com a D. Rosalinda acerca da necessidade de comprar-mos lenha para o Inverno, pois com a chuva a começar a fazer parte do quotidiano, urge pensar no assunto, se queremos ter a sorte de encontrar ainda alguma seca e a bom preço.
Quando regressar, já todos estarão prontos para se recolherem e eu, ansioso para fechar as contas do dia, acabo de limpar o bar e vou direitinho à cama porque amanhã é outro dia e às oito da manhã, já tenho que estar a pé para receber o pão, ainda quentinho, que o padeiro vai trazer.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

DU BOCAGE

Já durante a manhã tinha ouvido alguém a trautear uns versos no andar de cima da pensão. Estranhei porque as únicas pessoas que eu tinha conhecimento que lá se encontravam eram a D. Rosalinda, a sua neta Alice e a minha colega Luísa, responsável pelo arrumo dos quartos.
A D. Rosalinda não seria porque, para ela, o tempo dos versos já tinha passado, a Luísa também não porque, além de falar mais alto e em tom mais grosso, apenas cantarolava as canções românticas do Tony Carreira, portanto só restava a menina Alice, menina bonita com 14 anos, acabada de entrar para o 9º ano de escolaridade, e cuja voz era a mais bonita delas as três.
Daquela cantoria toda, as poucas palavras que percebi eram "triste", "Inês", "clamores" e "Mondego", imaginando eu que se tratava de algum verso sobre Inês de Castro, por também ter ouvido a palavra Mondego só podendo ser o rio que, além de Penacova, também banha Coimbra. Claro que não me detive a tentar perceber tudo aquilo que a menina Alice dizia, eram coisas dela e, claro, eu também tinha as minhas para resolver, não podendo por isso dedicar muita atenção ao que estava a acontecer.
Minutos depois, ouço passos leves descendo a escada, com eles aquele continuo trautear mais nítido e completo do que da parte da manhã - "Da triste, bela Inês, inda os clamores Andas, Eco chorosa, repetindo..."
- Menina Alice, boa tarde, que anda a menina a dizer com tanto entusiasmo? - perguntei.
- Boa tarde Mário, ando a tentar decorar um poema que tenho que apresentar no Domingo, numa peça de teatro em que vou participar - respondeu.
- E porque motivo escolheu a menina um poema que fala de catástrofe e choros? - perguntei algo admirado.
- Sabe Mário, o poema que estou a tenta fixar, é da autoria de Bocage que, como sabe, nasceu no dia 15 de Setembro de 1765, portanto há 242 anos. - disse ela.
- Confesso que não sabia a data do seu nascimento mas sei que foi um poeta português que, tal como Camões, Pessoa e tantos outros, não foi muito acarinhado pelos governantes seus contemporâneos, constando-se até que morreu na miséria, para não variar. - respondi.
- Para não variar como?. - perguntou .
- Sabe menina Alice, o nosso povo e muito em particular os nosso governantes, nunca foram muito apreciadores daqueles que possuíam e possuem dotes criativos. Na maioria dos casos, só depois de atingirem notoriedade no estrangeiro é que a sua reputação é tida em consideração no país que os viu nascer. Nessa altura, já a sua capacidade criativa terá atingido o auge. Tenho a sensação que Portugal e as artes não conjugam muito bem. Creio que a nossa natureza fechada, tacanha e, de certo modo conservadora, não permite a convivência com as pessoas que têm um espírito criador e empreendedor. Como já deve ter tido a oportunidade de reparar, todos os nossos "patrícios" que partiram em busca de melhores condições para realizar os seus sonhos, ou porque não lhes era dada a liberdade necessária ou porque os meios que tinham à disposição não eram suficientes, quer em quantidade, quer em qualidade, conseguiram obter o que pretendiam no estrangeiro. - disse
- Quer então dizer que, apesar de gostar muito do seu país, e desta terra onde vive, tem consciência que conseguiria muito mais se optasse por partir para outras paragens? - perguntou.
- Sim e não. - respondi.
- Como assim? - perguntou.
- Ambas têm vantagens e desvantagens mas, claro, as oportunidades são completamente diferentes. No fundo são opções e, quando as tomamos, temos que ter em conta muitas situações que fazem parte da nossa vida. O fundamental, creio eu, é a idade com que surge essa possibilidade e a força que aqueles com quem vivemos nos dão. Essas são as duas únicas coisas que realmente importam, a partir daí, a decisão de sair (ou ficar), torna-se mais fácil. - respondi.
- Quer então dizer que deverei pensar na possibilidade de, um dia, tentar ir além fronteiras? - perguntou.
- O que quero dizer é que a menina tem todas as condições para poder fazer da sua vida aquilo que bem entender. É bonita, inteligente, corajosa e, acima de tudo, tem bom coração. Todos os ingredientes necessários para ter sucesso na sua vida futura. - respondi.
- Obrigado Mário, é muito amável da sua parte. Agora, vou continuar a ler este lindo poema que fala de um amor que nem a morte conseguiu separar e que, imagine, aconteceu bem perto de nós. - disse ela com candura.
- Faz bem menina Alice, mantenha essa chama acesa, para que o futuro lhe sorria. - disse-lhe eu pensando que é bom ter oportunidades em devido tempo.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

NÃO DEVIA TER ACONTECIDO

O João estuda na Escola de Hotelaria Beira Aguieira. Tem 18 anos, está connosco há 3 e, por sua vontade, pretende adquirir formação na área da restauração para "se fazer ao mundo" dotado de uma especialidade que sempre adorou. Os pais, pessoas humildes e modestas, optaram por lhe arranjar um quarto na pensão - "fica mais caro mas, ao menos, o rapaz tem aqui tudo o que precisa" - diziam eles.
Com aquela idade, vive o futebol com mais intensidade, sendo o meu companheiro de "bancada" quando um dos quatros canais livres da televisão portuguesa nos presenteia como um jogo de futebol importante. Vibra com os dribles e com o golos e blasfema quando as coisas correm menos bem. Ontem, como todos sabemos, o "grupo" treinado por Filipe Scolari, empatou contra a Sérvia a uma bola. Com atropelos, insultos de parte a parte, contusões, puxões e empurrões, lá terminou o derby, a custo diga-se e antecipadamente. O resultado não agradou, nem a uns nem a outros, sendo inevitáveis os estados de tensão associados aquela derradeira tentativa de ganhar o jogo.
Quem vê futebol com assiduidade, sabe que os jogadores se consideram umas estrelas, que ora jogam ora não jogam e que fazem birra quando a coisa não lhes corre bem, comportando-se como deuses mas, neste caso, com pés de barro, e provocando situações que, muitas das vezes, levam ao extremo as tomadas de atitude por parte de ambas as equipas,
Tanto eu como o João, já tinhamos assistido a agressões por parte dos jogadores em relação a outros jogadores e por parte de jogadores em relação aos árbitros mas, agressões por parte de treinadores em relação aos jogadores, em pleno relvado e em frente a milhares de espectadores é que nunca tínhamos presenciado. Com 18 anos, e com uma saúde própria de quem pratica desporto, o João não gostou de mais um espectáculo degradante, não considerou, tal como eu, admissível tal atitude numa modalidade desportiva que, como as outras, deve ser um exemplo de tolerância.
O jogo acabou, lavou-se a roupa suja que havia para lavar e, a final, ouviram-se as acusações e as desculpas do costume. Fica somente a pergunta: Será razoável, lógico, aceitável que um punhado de pessoas que vestem a camisola de um país com aspirações a desenvolvido, que integra instituições tão importantes como a União Europeia, a O.T.A.N. e tantas outras que todos conhecem, não conseguem, ao menos, lembrar-se daquilo que representam quando estão perante os outros?
Para mim e para o João, não é aceitável que isso aconteça e muito menos que torne a acontecer. As instituições que representam o futebol nacional e internacional, devem ter mão pesada na punição dos prevaricadores e as autoridades nacionais devem ser inflexiveis nas atitudes a tomar, para evitar que cenas destas se voltem a repetir.
Talvez, e é apenas uma ideia, fosse necessário obrigar tais "meninos" a voltarem à escola, não de hotelaria, mas de boas maneiras.

ACONTECEU

Tinha acabado de confirmar pelo bilhete de identidade a identificação de mais um hóspede que acabou de chegar à pensão e que nela pretendia ficar hospedado por meia dúzia de dias a fim de tratar de uns assuntos relacionados com a instalação de um parque eólico na Serra da Atalhada. Entretanto, chegou das compras a Susana, cozinheira que já conhecem, sobretudo pelos magníficos pratos que confecciona, em particular o ensopado de cabrito ao qual confere um sabor único por ter na sua posse segredos culinários que foram transmitidos pela sua avó, pessoa de quem herdou o jeito para a culinária.
Notei-a algo diferente pois não trazia o sorriso que lhe era habitual. Estava triste por ter falecido uma pessoa que sempre conheceu e com quem sempre simpatizou. De facto ouvi os sinais vindos dos sinos que, quando alguém parte para o outro mundo, são tocados durante mais tempo por se tratar de um indivíduo do sexo masculino, vá-se lá saber porquê.
O Sr. Aberto, malvinha ou menino, como os mais chegados lhe chamavam, era uma pessoa de quem todos gostavam. Livre e desimpedido, estava geralmente ligado a um sem número de actividades desta vila. Durante anos, e num tempo em que ainda não existiam quiosques em Penacova, foi pioneiro numa actividade que hoje se poderia enquadrar no estilo "trabalhe a partir de casa" e, através dela, mantinha os penacovenses informados, desde que estivessem na disposição de comprar jornais e outras revistas de informação, ou não, de cabeça para cima, isto é, desde que estivesse na disposição de esperar que o cesto, preso por um cordel, descesse e trouxesse o que se tinha pedido a ele ou à D. Ricardina. Além disso, era presença habitual nesta pensão, quando ao fim do dia, gostava de conversar e de beber o seu copito, acompanhado com umas "cacetas" que a sua cozinheira de eleição, tão bem sabia confeccionar.
Agora, com mais de 80 anos, algo debilitado e, claro, possuidor de alguma doenças características dessas idades, estava na fase final da sua vida e, acabou por ser vencido pelo inevitável.
Perdeu-se uma figura típica da nossa terra e com ela um pedaço da sua história que, em algumas circunstâncias, tão bem soube transmitir, por nelas ter participado.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

DÚBIAS PRIORIDADES

Sempre considerei a minha patroa, D. Rosalinda, uma pessoa bastante religiosa. A julgar pelas vezes que vai à missa, pela envolvência que tem nos actos religiosos que a paróquia promove e pelos bolinhos e paninhos que, com as suas 63 lindas Primaveras, ainda se entretem a fazer, sempre que algum dos seus mais queridos companheiros de fé faz anos ou, por algum motivo, necessita de mais algum carinho, ou porque se encontra doente ou porque perdeu alguém de quem gostava muito, enfim, por quase tudo e por quase nada, não restando por isso dúvidas de que é uma pessoa devota e praticante.
Eu, confesso, não tenho confissão. Umas vezes sou ateu e outras nem por isso. Acredito na existência de alguma coisa, muito para além do nosso entendimento, que consegue estabelecer a harmonia do universo, mas não dos homens, porque esses não admitem santidades para além daquelas que eles próprios inventam e alimentam.
De qualquer maneira, o assunto sobre religiosidade sempre ocupa algum do nosso tempo, falamos sempre um pouco sobre as coisas deste e do outro mundo. Respeito totalmente as opções da D. Rosalinda porque vejo que ela é feliz com aquilo em que acredita, talvez por ter enviuvado cedo e, sem marido numa terra pequena, o melhor é tornar-se beata para não ser alvo de comentários depreciativos.
Hoje, achei-a um pouco abatida, não comeu o Pão de Ló que tanto gosta e o leite carregado de café que, segundo ela, lhe aviva a alma, não passou abaixo do meio da caneca almoçadeira por onde todos os dias faz questão de o beber. Perguntei-lhe se algo de preocupante se passava com a sua vida e ela respondeu que já está velha demais para acompanhar a velocidade a que as coisas andam neste mundo novo. Disse-me também que parte do seu desencanto se deve à incompreensão dos homens e à intolerância que têm uns para com outros.
Imagine-se que aquela senhora ouviu, de passagem, as notícias sobre a visita do Dalai Lama a Portugal e da novela que entretanto se passou com a recusa por parte do nosso governo em o receber como líder espiritual de um território que, para não morrer, teve que abandonar. Não conseguia compreender porque motivo é que nós, um povo tão tolerante e de tão brandos costumes, conseguia recusar receber um indivíduo como uma cara tão simpática, vestido com umas roupas tão bonitas, que só quer regressar ao seu país e governar (espiritualmente) o seu povo como sempre fizeram os seus antepassados.
Claro que de imediato manifestei a minha solidariedade para com ela, dizendo-lhe que eu próprio também não conseguia aceitar, embora compreendesse, o motivo pelo qual isso aconteceu.
-A sério que compreende? - perguntou ela.
-Claro D. Rosalinda. Veja o seguinte, desde 1979 que o nosso país tem relações diplomáticas e vários acordos económicos, que lhe valem milhares, senão milhões de euros, com a China, o mesmo país que em 1959 invadiu o Tibete, reclamando para si aquele território, duma forma por todos considerada ilegítima, obrigando aquele senhor simpático de olhos pequeninos e risonhos, a procurar guarida em terras indianas. Se Portugal aceitar receber aquele apátrida, considerado pelo "gigante chinês" como um inimigo perigoso, arrisca-se a ver todas as essas relações desfeitas.
-Tal como Moisés?- perguntou ela com um olhar distante como que a lembrar-se daquilo que leu na sua Sagrada Escritura que, desde sempre, mantém à cabeceira da cama.
-Mais ou menos D. Rosalinda, mais ou menos, só que neste caso é por dinheiro e esse, para muitos, sempre falou mais alto - respondi eu, continuando a preparar os peixinhos do rio para o lanche.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

(IN) JUSTIÇA MEDIÁTICA

A Susana preparou hoje para o almoço uma ementa de fazer crescer água na boca (sopa da sogra, pataniscas de bacalhau com arroz de tomate e, para sobremesa, baba de moça). Como sei que o Luís está quase chegar e que, acima de tudo, adora comer um arroz de feijão, ainda a correr, com as pataniscas divinamente preparadas pela cozinheira de quem ele tanto gosta, decidi pôr a “respirar” uma tinto do Dão, colheita de 1992. Abri cuidadosamente a garrafa e, lentamente, despejei o seu conteúdo para um decantador que entretanto tive necessidade de comprar, para que a coisas ficassem bem feitas.
O Luís é um dos meus hóspedes preferidos. Quando sabe que vem trabalhar para a zona de Penacova, faz questão de passar as noites na pensão. Faz isto desde há 15 anos, altura em que, pela primeira vez me bateu à porta, a horas tardias diga-se, a perguntar se havia quarto. Desde então é visita habitual, quase já fazendo parte da família. As conversas que temos, são de tal modo interessantes e absorventes que, muitas das vezes, até nos esquecemos de comer.
Desta vez, o Luís mostrou-se preocupado com a (óbvia) influência que a imprensa parece exercer sobre a justiça, a ponto de poder influenciar o desenrolar da investigação e, consequentemente, o resultado do veredicto. O caso Maddie reavivou, mais uma vez, o fantasma das decisões proferidas por encomenda ou a gosto dos arguidos mais poderosos. Ficamos sempre com a sensação de que a impunidade afinal existe.
Partindo do princípio que os Tribunais administram a justiça em nome do povo, é perfeitamente natural que, se o povo estiver convicto de que existe um culpado a justiça só tem que lhe dar razão. Mas as coisas não acontecem nem poderiam acontecer assim. Quando se julga procura-se a verdade dos factos através da prova produzida em audiência e com base nos elementos existentes no processo logo, é de todo impossível existir influência a não ser que as provas estejam forjadas e induzam o julgador em erro. Por outro lado a pressão pode conduzir a decisões mais precipitadas e menos condizentes com a justiça, mas essas caem ao primeiro recurso, afastando-se desde logo a impunidade do agente.
O Luís aceitou a explicação mas continuou a achar que tudo lhe parecia um pouco obscuro e confuso dado a mediatização deste e de outros casos mais ou menos graves que, infelizmente, teimam em se tornar cada vez mais frequentes.
Para ele, a justiça está cada vez mais afastada da realidade e dos verdadeiros anseios do povo. Para mim, a justiça só pode ser funcionar se não partir de pressupostos desviantes que possam contribuir para debilitar a sua credibilidade.
De uma maneira ou de outra, ambos acreditamos que se faz justiça em Portugal. Se assim não fosse, os Tribunais, que não julgam só os casos idênticos aos de Maddie, acabariam por ser dispensáveis, por não serem necessários, e por não contribuírem para a estabilidade das instituições democráticas. Outra coisa é dizer que, quem faz as leis, deixa sempre uma possibilidade para se escapar, o que, naturalmente, exclui a responsabilidade dos Tribunais que as aplicam e pelas más decisões que (muitas das vezes) erradamente achamos que eles proferem.
Claro que, no meio desta confusão, a imprensa pode contribuir para abalar as certezas até aqui tidas como absolutas, mas isso servirá de mote para outro texto, quem sabe sugerido por um outro hóspede que entretanto apareça por aí.
Enquanto isso não acontece, vamos continuar a saborear o bom vinho e, quem sabe, a falar da prestação que irá ter a nossa selecção de râguebi frente aos virtuais campeões neo-zelandeses.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

JULGAR PELAS APARÊNCIAS

Todos os dias, ao serão, os hóspedes que podem estar presentes, fazem questão de se sentarem em frente ao televisor que se encontra na sala de estar da pensão e cuja qualidade e o tamanho do ecrã são suficientemente grandes para proporcionar uma visão magnífica de tudo o que por ele é transmitido.
Se durante o dia todos têm formas diferentes de passar o seu tempo, quer estejam de férias ou não, durante a noite e muito especialmente à hora em que é transmitida a série protagonizada por Hugh Laurie e cujo personagem central é o conhecido Gregory House (Dr. House, como todos lhe chamam), todos se sentam confortavelmente nos sofás, para dali não perderem todo o enredo em que aquela série os envolve.
Aquele homem é tão paradoxal, que tanto é capaz de despertar as maiores paixões como os maiores ódios. É, por assim dizer, aquele médico que todos gostaríamos de ter (só) quando estamos doentes porque quando isso não acontece, é capaz de transformar o indivíduo mais desprezível na nossa melhor companhia.
Pessoalmente, creio que o personagem foi uma criança muito mal amada, vítima de uma disciplina bastante rígida a qual, naturalmente, contribuiu para que a sua maneira de se relacionar com os outros seja aquela que, quem o vê, conhece perfeitamente. Acontece que, e olhando um pouco para a nossa realidade, aquilo que mais se destaca na sociedade em que vivemos, é a forma como uns, no seu dia-a-dia, se relacionam com os outros.
Por norma, a tendência é para bajularmos as pessoas, como boas maneiras e sorrisos disfarçados, para assim conseguirmos alcançar os nossos objectivos. A sociedade funciona dessa forma. As regras existentes têm que ser cumpridas, apreendidas e transmitidas, pois só dessa maneira é que o "todo" funciona e se garante da sua sobrevivência. Quando isso não acontece, e damos de cara com alguém que não esconde os seus sentimentos e a sua maneira de ser, então passamos a estar perante uma pessoa que não interessa e arranjamos logo maneira de lhe dificultar a vida. Esquecemo-nos porém, que esse indivíduo poderá ser um Dr. House em potência, seguro de si e do seu conhecimento, muito mais esclarecido do que aparenta ser, com muito mais capacidade do que aqueles que se riem na nossa cara e depois se mostram incapazes de resolver o problema.
Quero com isto dizer que, todos conhecemos, pelo menos, uma pessoa que, tal como o médico que todos detestam, é incapaz de manifestar a sua hipocrisia, mesmo quando a situação assim o exige. Não consegue vestir a pele de alguém que diz que sim a tudo só para não se chatear e porque, ao agir dessa forma, pensa que consegue levar mais facilmente a água ao seu moinho. Não conseguimos perceber que, por detrás dessa cara feia, desse ar arrogante, desse tom sarcástico e inconveniente, poderá estar, apenas, um grande profissional, altamente qualificado e capaz de arranjar, mesmo que no limite, soluções eficazes e duradouras para os problemas que se lhe apresentam e só não se comporta da maneira que todos esperam porque não está para "embarcar" em representações teatrais que em nada o enriquecem, antes dão uma imagem errada daquilo que realmente é.
Paro, por agora, porque está prestes a começar outro episódio desta magnífica série e eu não quero perder um momento que seja. Só espero que desta vez, não transmitam um episódio repetido, como tem sido hábito ultimamente nas nossas televisões.

domingo, 9 de setembro de 2007

UM CASO DE BICO REDONDO

Tudo perfeito. O chá de camomila está excelente, as torradas tal como eu gosto, apenas o céu se apresenta um pouco nublado, fazendo com que, mais uma vez, a descida do rio que alguns dos meus hóspedes se tinham comprometido a fazer, ficasse adiada pela (aparente) falta de sol.
O caso de Madeleine McCann "salta" de novo para a capa dos jornais e os noticiários abrem com os pais da menina a "zarparem" para Inglaterra com o termo de identidade e residênca prestado. Entretanto, o hóspede do quarto 45 pede mais uma torrada e mais um pouco de doce de abóbora, maravilhosa e pacientemente elaborado pela Susana, a nossa cozinheira de sempre. Retomo a leitura na notícia sobre o caso mais mediático da actualidade. Quatro meses passados sobre o desaparecimento da menina inglesa, a única coisa que se sabe, após um sem número de tropelias, com troca acusações por falta de profissionalismo e enormes doses de negligência pelo meio, com declarações contraditórias e horas a fio de interrogatórios, é que os McCann saem constituidos como arguidos. Estratégia ou não, certo é que sobre eles impende a suspeita de homicído e ocultação de cadáver que, afastada a tese de rapto, cada vez mais vai ganhando consistência. A provar-se que houve uma morte, acidental ou não, resta saber onde se encontra o corpo da menina para que, de uma vez por todas, se acabe com todo este pesadelo e tranquilizar aqueles que diariamente vivem com o coração apertado, sem saber muito bem o que pensar e contra quem lançar o olhar de raiva e desdém pela morte de (mais) uma criança. A D. Cristina, hóspede do quarto 23, connosco há mais de 10 anos, vive intensamente, desde o primeiro minuto, toda esta "macabra novela" e comenta em voz alta o que se vai passando na televisão. Fazendo a sua renda, vai juntando aquilo que uns e outros dizem acerca do caso e assim vai construindo o "filme " à sua maneira, já com os culpados e os inocentes perfeitamente identificados e com o pormenor das penas de prisão aplicadas. O final da história dela é mais feliz do que aquele que previsivelmente vai ter aquele que todos os dias nos acompanha. Para ela, a Maddie vai ser encontrada sã e salva e os raptores apanhados e encarcerados por uns maus e longos anos na prisão de alta segurança onde todos os dias vão ser obrigados a fazer serviço a favor da comunidade num lar para crianças desfavorecidas, sob forte vigilância policial. A realidade não vai ser bem assim. A existir julgamento, o mesmo só vai acontecer, na melhor das hipóteses, daqui a um ano, isto, claro, se os verdadeiros culpados não decidirem confessar tudo antes. Até lá, vamos continuar a assistir ao desenrolar das peripécias que à volta do caso vão surgindo e continuar a contar os tostões para pagar as despesas do dia-a-dia.

sábado, 8 de setembro de 2007

DIFERENTES CONCEPÇÕES

Ao fim do dia já se vai tornando habitual a companhia do Paulo, amigo de longa data e frequentador desta pensão. Juntos saboreamos uma bebida na esplanada virada para o rio. As conversas fluem tal com as águas que vemos do sítio onde estamos sentados. Geralmente (como toda as pessoas) abordamos assuntos que mais cobertura têm pelos “media”. A preocupação de hoje centrou-se na “Festa do Avante”, a decorrer durante este fim-de-semana, e no facto de para ela terem sido convidados membros das FARC (Forças Armadas e Revolucionárias da Colômbia), um grupo armado colombiano, por todos considerado terrorista. Quando digo todos, refiro-me naturalmente a todos aqueles que repudiam, em absoluto, a violência sobre civis provocada por indivíduos que usam as armas para dialogar e que acabam sempre por escolher os mais fracos para servirem de vítimas nas suas “incursões sanguinárias”. O Paulo mostrou-se bastante indignado pelo convite ter surgido por parte de um partido político, com alguma importância no contexto democrático do nosso país, pois concorre a eleições livres e democráticas e, ainda por cima, está representado no parlamento português e europeu. Eu respondi ao Paulo que o partido comunista português tem “uma concepção diferente de terrorismo”, tal como tem da ditadura de Chavez e, provavelmente, como sempre terá do comunismo de Estaline, por isso não é de estranhar tal atitude e outras que nos fazem pensar se aquilo que eles defendem e dizem, corresponde exactamente aquilo que fazem.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

50 ANOS DE EUROPA EM PENACOVA

Ele não teria mais do que 40 anos ela, um pouco mais nova, era uma mulher bonita de formas graciosas, que deixava escapar um pequeno sorriso por entre os dentes brancos e os lábios pintados de vermelho vivo, talvez por não estar acostumada a estes pequenos lugares onde nada se passa a não ser o vento. Pediram um quarto com vista para o rio e mostrei-lhe a suite que os deixou encantados. Depois de instalados, desceram à sala onde habitualmente se janta e degustaram um óptimo "naco de chanfana" acompanhado com umas gostosas batatas cozidas. Para beber fizeram questão de provar um tinto caseiro, ali dos lados do Lourinhal, que por ainda não estar engarrafado, teve de ser servido numa jarra, daquelas com asa feia e feitas de vidro grosso. Depois do café, o homem perguntou o que poderiam fazer em Penacova durante o fim-de-semana. Falei-lhes na descida do rio em Kayak, na exposição que decorre no átrio da Câmara Municipal sobre os 50 anos do Tratado de Roma e, por fim, na festa popular que, por esta altura, acontece na ermida da Nª. Srª. do Mont'alto. Depois de pensar um pouco, pediu mais um café, desta vez acompanhado por uma aguardente envelhecida em cascas de carvalho, cuja garrafa, que tinha um boneco feito do mesmo material no seu interior, tinha visto momentos antes. Disse-lhe que era para já e, depois de os servir, deixei-os a contemplar o reflexo da lua nas doces águas do Mondego que, com parcimónia, se deslocavam para a foz.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

O ÚLTIMO DA NOITE

A estas horas não é costume abrir a porta. Bem sei que se trata de alguém que ainda agora chegou a Penacova, bastante cansado de alguma viagem longa e à espera de aqui vir encontrar uma cama limpa e confortável para passar a noite. De ora em diante, apenas os que nesta terra têm alguma coisa a tratar é que por cá pernoitam.
- Férias? - diziam os últimos hóspedes uns para os outros em tom desanimado.
- Este ano as férias foram muito pobres, o calor não foi em demasia o que limitou bastante as idas à praia do Reconquinho recentemente (bem) recuperada.
Têm muita razão sim senhor, pensei eu, pois sem o sol e a praia, pouco mais resta nesta simpática vila que justifique uma paragem. Por cá, vamos contando com os "habitués" e aqueles que cansados demais para continuar, resolvem, tal como o que agora aqui chegou, parar para recuperar energias.
O recém chegado aproxima-se e pede-me um café.
- Café? - respondo-lhe.
- Acabei de desligar a máquina, mas sempre se arranja um chá, acompanhado com um deliciosa Nevada.
- Nevada? - perguntou ele com curiosidade.
- Sim, o nosso doce regional, coberto de açucar fino e com recheio de ovos. Coisa boa que as freiras do Lorvão nos legaram.
- Coberto de açucar fino? - perguntou.
- Sim, muito fino, para que se derreta suavemente na boca... - respondi.
- Bom, assim sendo, fico apenas pelo chá. Estou de dieta, não posso comer doces.
- Então boa noite e durma bem. Beba o chá virado para o rio. É delicioso.
Pegou na chávena e na pasta da "Bayer" e despediu-se.

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