terça-feira, 16 de março de 2010

Tirania do ócio

- Então D. Rosalinda, ainda não conseguiu contratar uma ajudante de cozinha?
- Deixa-me aqui Matias. Ninguém quer trabalhar porque dizem que se chateiam menos e ganham quase a mesma coisa do que se estiverem no desemprego! Será possível que é mesmo assim? Será possível que o Estado paga às pessoas para não trabalharem?
- Parece que é mesmo isso D. Rosalinda. Ainda hoje li que há em Portugal cerca de doze mil postos de trabalho que ninguém quer.
- Estás a ver? Não te disse que não é normal? Como é que alguma coisa pode andar para a frente, se o próprio Estado promove a indolência? És capaz de me explicar?
- Não D. Rosalinda. De todo....
- Pois, nem eu.
- E ainda por cima o governo quer baixar o subsídio de desemprego para não estar tão perto do salário mínimo. É inadmissível que uma coisa desta aconteça!
- Olha Matias, eu sou de outro tempo e sei muito bem o que é querer comer e não ter. Hoje em dia não falta nada aos grandes ou aos pequenos e por isso é que nós temos que ser mais exigentes. Não se admite que uns trabalhem e se esforcem por manter o seu emprego e que, ao seu lado, esteja um outro que ainda por cima se esteja a gabar por estar melhor como desempregado do que a trabalhar.
- Mas não são todos D. Rosalinda. Há indivíduos que se encontram em situações aflitivas. Muitos deles sem nada de comer para dar aos filhos. Em contrapartida, outros há que até o comer lhe vão por a casa, além de a limparem e lhe pagarem a renda.
- Olha Matias, não me faças falar. Nesta terrinha há situações que roçam o descalabro. Gastam-se dezenas de euros a título de caridade e depois ninguém olha ao desperdício. Só de imaginar que naquele edifício da Eirinha já estiveram instalados uns carenciados que até faziam as necessidades fisiológicas fora da sanita.
- Horrível, D. Rosalinda! Só de pensar que o as entidades públicas, responsáveis pela classificação desses agregados familiares, poderão estar a ser injustos para com aqueles que realmente necessitam, até me arrepio.
- São os critérios Matias. Provavelmente esses é que estarão enviesados e chegámos a um ponto em que o Estado criou condições para que as pessoas dele dependam cada vez mais e não se esforcem por serem autónomos e auto-suficientes. No meu tempo o trabalho era sinónimo de verticalidade. Ai do homem que ficasse em casa sem trabalhar. Não se via uma terra a mato. Era uma beleza ver tudo amanhadinho, tudo bem tratado.
- Mudaram-se os tempos e também a vontade de, pelo menos, valorizar o trabalho e aqueles que se esforçam para se manterem socialmente dignos. Pode ser que tenha sorte D. Rosalinda e até lá, se a Matilde necessitar de ajuda na cozinha, é só dizer.
- Obrigada Matias!!! És tal e qual o teu tio Mário.
- Obrigado D. Rosalinda. Quem sabe se um dia ele não voltará.
- Nunca se sabe Matias, nunca se sabe! Olha, vou descer até à cozinha porque daqui a nada são horas de almoço e os hóspedes não podem esperar pela resolução dos nossos problemas.

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