sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Progresso, ou nem por isso

- Então sr. engenheiro, o que faz por aqui hoje, e ainda por cima tão perto da hora do jantar?
- Olha meu caro Matias, venho de uma reunião como o sr. presidente da câmara.
- Ah sim, então porquê, pode saber-se?
- Claro que sim, até porque é um assunto que interessa a todos e muito particularmente às pessoas do concelho de Penacova, principalmente às que vivem junto do rio Mondego.
- Então fale, sr. engenheiro, porque que é exatamente aí que eu vivo.
- Olhe, falámos acerca da construção da mini-hídrica no Mondego, no âmbito da Plataforma Mondego Vivo.
- Então mas isso ainda não acabou, quero dizer, com os cortes orçamentais que aí vêem ainda há dinheiro para fazerem essas (e outras) obras?
- Supostamente não, mas também não podemos deixar esquecer o Movimento, até porque ainda está a decorrer uma petição, como o objetivo de impedir a construção daquela mini-hídrica que, a fazer-se, será uma morte anunciada do rio Mondego e do seu único troço ainda selvagem, ou quase.
- Não diria tanto, até porque, se fosse selvagem, nenhuma das empresas que o explora lá poderiam laborar.
- Sim claro, tem razão, mas é uma forma de abordar um problema, tornaNdo-o mais mediático, sabe.
- Pois bem sei, mas se calhar nem assim funciona.
- Espero que esteja enganado amigo Matias.
- Olhe sr. engenheiro, eu não sou daqueles que estão contra a construção da mini-hídrica.
- Ai não? É pá, você deve ser o único penacovense que eu conheço que não se opõe à construção daquele empreendimento.
- Pois é capaz, mas não acredito assim tanto no benefício da sua construção, como alguns que apenas olham para o rio como um meio para atingir um fim, que é o lucro, e esse, sr. engenheiro, atravessa-se sempre à frente das boas intenções.
- Mas é estranho! Em que é que se baseia para não estar contra?
- Olhe sr. engenheiro, em primeiro lugar, acho que daqui a 30 anos, mais coisa menos coisa, o caudal do rio Mondego, será muito menor do que é actualmente e se não houver alguma construção que impeça a descida do nível das águas, nessa altura, em vez de um rio, teremos um riacho que nem sequer dará para regar, quanto mais para tomar banho ou pescar. Em segundo lugar, não vejo que sejam os populares a manifestarem-se contra a construção da mini-hídrica, mas sim os empresários turísticos que ganham com as descidas de caiaque e que, curiosamente, não trazem ninguém para consumir o que quer que seja em Penacova. Em terceiro lugar, aquele argumento de que prejudica a agricultura não pega, pois a partir da Rebordosa, poucas ínsuas, ou nenhumas, são cultivadas, antes permanecendo abandonadas e  cobertas pelas infestantes que todos conhecemos. Em quarto lugar, não existem espécies tão raras ou selvagens para proteger, uma vez que a presença frequente das pessoas e as ininterruptas descidas de caiaque se encarregaram de afugentar o que havia de selvagem por ali. Em quinto e último lugar, a questão da construção de mais um obstáculo no rio, é uma falsa questão, pois nunca vi nenhum dos promotores da iniciativa, insurgirem-se conta a construção do açude da Rebordosa e esse, mais do que a mini-hídrica, foi e continua a ser muito mais gravoso ambientalmente do que será a mini-hídrica, tão só porque foi construído à revelia de tudo e todos, sem obedecer minimamente a qualquer estudo de impacto ambiental, tão porque não o havia, ou se existia, foi metido na gaveta. Por isso, meu caro engenheiro, não vejo porque motivo estão todos tão indignados com a construção daquela infra-estrutura a qual, segundo consta, até trará benefícios, energéticos e não só, aos concelhos que lhe são fronteiros.
- Olhe meu caro Matias, os pontos de vista que defendes, não estão tão errados como a princípio poderão parecer, porém, moralmente não posso aceitar que uma qualquer decisão tomada nos gabinetes de uns quantos senhores de Lisboa, que nunca vieram nem sabem onde é a Penacova, se imponha à vontade dos que aqui vivem todos os dias e que, ainda por cima, prejudica um sem número de empresas que, durante o verão, tiram do rio parte do seu sustento e do sustento daqueles que para elas trabalham. Além disso, não aceito que daqui a alguns anos, paisagens como aquela que hoje tens em destaque na Pensão, passem a pertencer a um passado, que nós não quisemos preservar.
- Também comungo dessa opinião. De facto, será uma pena perdermos toda essa biodiversidade mas, a propósito disso, e do impacto que constitui uma obra dessa dimensão, quando o interesse comum prevalece sobre o interesse de uns poucos, mais não teremos que aceitar a vontade da maioria, e essa, sr. engenheiro, desculpe-me mas ainda não foi chamada a pronunciar-se, logo, nada mais poderei dar, para além da minha modesta opinião.
- E por falar um opinião, meu caro Matias, estava aqui a pensar que não seria boa ideia comer qualquer coisa, és capaz de me sugerir algo para jantar?
- Claro que sim, meu caro engenheiro, até porque a barriga vazia não é boa conselheira. Olhe, a sair temos umas lascas de bacalhau, acompanhadas com umas batatinhas assadas, bem regadas com azeite do Silveirnho e acalentadas com um Quinta do Vale Meão, 2009, chambreado a gosto.
- Nem é tarde nem é cedo! E se a coisa correr bem, garanto-lhe que acabarei por pernoitar na pensão.
- Então sr. engenheiro, ciente de que vai sentir-se como em sua casa, atrevo-me a reservar-lhe já um quarto, com vista para o rio que ainda  temos, e antes que seja tarde.

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