quarta-feira, 12 de setembro de 2007

DÚBIAS PRIORIDADES

Sempre considerei a minha patroa, D. Rosalinda, uma pessoa bastante religiosa. A julgar pelas vezes que vai à missa, pela envolvência que tem nos actos religiosos que a paróquia promove e pelos bolinhos e paninhos que, com as suas 63 lindas Primaveras, ainda se entretem a fazer, sempre que algum dos seus mais queridos companheiros de fé faz anos ou, por algum motivo, necessita de mais algum carinho, ou porque se encontra doente ou porque perdeu alguém de quem gostava muito, enfim, por quase tudo e por quase nada, não restando por isso dúvidas de que é uma pessoa devota e praticante.
Eu, confesso, não tenho confissão. Umas vezes sou ateu e outras nem por isso. Acredito na existência de alguma coisa, muito para além do nosso entendimento, que consegue estabelecer a harmonia do universo, mas não dos homens, porque esses não admitem santidades para além daquelas que eles próprios inventam e alimentam.
De qualquer maneira, o assunto sobre religiosidade sempre ocupa algum do nosso tempo, falamos sempre um pouco sobre as coisas deste e do outro mundo. Respeito totalmente as opções da D. Rosalinda porque vejo que ela é feliz com aquilo em que acredita, talvez por ter enviuvado cedo e, sem marido numa terra pequena, o melhor é tornar-se beata para não ser alvo de comentários depreciativos.
Hoje, achei-a um pouco abatida, não comeu o Pão de Ló que tanto gosta e o leite carregado de café que, segundo ela, lhe aviva a alma, não passou abaixo do meio da caneca almoçadeira por onde todos os dias faz questão de o beber. Perguntei-lhe se algo de preocupante se passava com a sua vida e ela respondeu que já está velha demais para acompanhar a velocidade a que as coisas andam neste mundo novo. Disse-me também que parte do seu desencanto se deve à incompreensão dos homens e à intolerância que têm uns para com outros.
Imagine-se que aquela senhora ouviu, de passagem, as notícias sobre a visita do Dalai Lama a Portugal e da novela que entretanto se passou com a recusa por parte do nosso governo em o receber como líder espiritual de um território que, para não morrer, teve que abandonar. Não conseguia compreender porque motivo é que nós, um povo tão tolerante e de tão brandos costumes, conseguia recusar receber um indivíduo como uma cara tão simpática, vestido com umas roupas tão bonitas, que só quer regressar ao seu país e governar (espiritualmente) o seu povo como sempre fizeram os seus antepassados.
Claro que de imediato manifestei a minha solidariedade para com ela, dizendo-lhe que eu próprio também não conseguia aceitar, embora compreendesse, o motivo pelo qual isso aconteceu.
-A sério que compreende? - perguntou ela.
-Claro D. Rosalinda. Veja o seguinte, desde 1979 que o nosso país tem relações diplomáticas e vários acordos económicos, que lhe valem milhares, senão milhões de euros, com a China, o mesmo país que em 1959 invadiu o Tibete, reclamando para si aquele território, duma forma por todos considerada ilegítima, obrigando aquele senhor simpático de olhos pequeninos e risonhos, a procurar guarida em terras indianas. Se Portugal aceitar receber aquele apátrida, considerado pelo "gigante chinês" como um inimigo perigoso, arrisca-se a ver todas as essas relações desfeitas.
-Tal como Moisés?- perguntou ela com um olhar distante como que a lembrar-se daquilo que leu na sua Sagrada Escritura que, desde sempre, mantém à cabeceira da cama.
-Mais ou menos D. Rosalinda, mais ou menos, só que neste caso é por dinheiro e esse, para muitos, sempre falou mais alto - respondi eu, continuando a preparar os peixinhos do rio para o lanche.

Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...