quarta-feira, 26 de setembro de 2007

OLHOS EM BICO

Chiang Tong, é um indivíduo franzino, baixo e com o cabelo fino e espetado. Tem uma esposa, também franzina e com cabelo fino e um filho não tão franzino e com cabelo não tão fino. Está connosco, em Penacova, há cerca de 5 anos. Veio de uma província chinesa e, até se instalar definitivamente nesta pacata vila que escolheu como destino, passou os primeiros tempos na pensão. Na altura, a sua postura como pessoa de outras paragens era, como se poderia esperar, muito reservada. Apesar de terem um sorriso simpático e uns olhos pequenos e rasgados, mantinham uma posição defensiva. Não saíam por aí à procura de locais bonitos e desconhecidos. Não mostravam interesse pelos costumes da terra ou pela religião das pessoas. Se iam à missa ao domingo, se almoçavam às 13 ou se viam futebol aos fins-de-semana. Apenas sabiam que eram pessoas sem grandes posses que, tal como eles, procuravam comprar o mais barato, desde que fosse em quantidade.
Depressa conseguiram adquirir um espaço onde instalar a sua "loja dos chineses", onde um jogo de ferramentas custava 1 euro, uns óculos de sol custavam 1 euro, um frasco de verniz para as unhas custava 30 cêntimos ou três lâmpadas economizadoras se podiam comprar a 1 euro e 50 cêntimos. Enfim, onde tudo era mais barato do que em qualquer outro estabelecimento comercial das redondezas.
Pelo facto de não terem a "nossa" religião, não se sentiam, moralmente, obrigados a fechar portas ao domingo, dias em que, quem vinha à missa, sempre passava por lá para, além de ver, comprar coisas baratas e úteis “a preços da China”.
Como também não tinham que encerrar para almoço, mantinha as portas abertas durante mais tempo, o que dava bastante jeito quando alguém se lembrava que se tinha esquecido, entre outras, de comprar uma carteira de fósforos ou um isqueiro para acender o fogão.
Claro que alteraram os hábitos, tantos das gentes como dos comerciantes da nossa terra. Estes últimos não se mostraram muito ameaçados pela concorrência, chegando até à conclusão que, também eles podiam abrir aos domingos e não fechar para almoço. Alguns até conseguiram fazer-lhes concorrência, vendendo produtos igualmente baratos, “a preços da China”, portanto, coisa que não acontecia até à chegada dos chineses à nossa terra.
Toda esta história me fez lembrar a vontade que Nogueira Pinto tem em construir uma Chinatown em Lisboa, com o objectivo de, segundo diz, combater a concorrência desleal e de proteger o singular comércio local lisboeta. A ideia não terá partido dela mas sim daqueles que se sentem ameaçados pelo "perigo amarelo" e que já sentiram ameaçados pelo "perigo indiano" ou "africano" e que na srª. encontraram uma porta-voz para os seus medos, tanto mais que ela tem a vantagem de ter votado, para melhor português do séc. XX, num ditador nacionalista, detentora, portanto, de um perfil adequado à nova cruzada.
Considerações à parte, apenas sei que Chiang Tong e a família já se encontram em Penacova há cerca de 5 anos, falam português suficientemente bem para vender o que têm para vender e já têm um filho com três anos que, vá-se lá saber porquê, se chama Afonso.
Mal ou bem, fazem parte do quotidiano penacovense. Sempre que podem, almoçam na pensão aos fins-de-semana, obrigando até a Susana a acrescentar na sua lista de compras, rebentos de soja, barbatana de tubarão e algas marinhas. Gostam de futebol e já gritam quando o Benfica, o Sporting ou o Porto marcam golos ao adversário.
Nesta terra foram bem aceites e, fazem os possíveis, por se integrarem no dia à dia dos penacovenses, o que não era de estranhar que acontecesse pois foi assim que, há mais de quinhentos anos, alguns dos nossos patrícios foram recebidos na China. Portanto, não foram eles que descobriram o caminho para Portugal, foram os portugueses que lhes ensinaram o caminho.

Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...