quarta-feira, 21 de abril de 2010

Predisposição típica



O jantar tinha acabado de ser servido. O pato estufado estava com um aspecto magnífico!
Depois de ler a carta de vinhos pediu um Quinta dos Termos, Selecção Tinto da colheita de 2007. 
- Boa escolha! - pensei eu - De facto tudo parecia combinar. Na televisão passava a Grande Reportagem. Existe corrupção em Portugal e não se pense que é menos ou mais importante que nos outros lados, é exactamente igual. Com os mesmos contornos e com a mesma precisão. Os protagonistas podem ser diferentes mas o código de conduta é o mesmo para todos, ou seja, não existe!
-Todos sabemos que o crime compensa....
- Mas é disso mesmo que eles estão a falar. Só com grande espírito de missão e com uma fé inabalável nos valores de uma sociedade justa é que alguém se dispõe a denunciar casos de corrupção.
- E é que vão desde o maior ao mais pequeno!
- Claro que sim! É tipo uma máfia, com violência e extorsão à mistura. Esquemas que a todos passam despercebidos, ou por puro desconhecimento, ou então simplesmente porque não é nada connosco.
- Nos meios pequenos não se passa tanto. As coisas acabam por se saber todas rapidamente. Mas nas cidades, ou perto delas, já funciona de diferente maneira.
- Tens razão, é tudo em ponto grande.
- E muita gente disponível. E nos sítios com muita gente com muito dinheiro em jogo, as tentações são maiores.
- E depois todos querem  ter boa vida sem trabalhar. Querem bons carros, grandes casas, viagens para todo o lado, tudo do bom e do melhor. Enfim, anda meio mundo a enganar outro meio.
- Mas agora está pior!
- Claro, não há dinheiro para nada.
- E as previsões não apontam para melhorias, apesar de Cavaco ter vindo dizer que a coisa não está assim tão má.
- Então, é a única coisa que ele deve dizer. Não ia à televisão dizer que isto está mau, que devemos todos preparar-se para o pior.
- Pois não, claro que não podia! Tu já viste o que é que seria?
- Vira essa boca para lá. Nem quero imaginar no que iria acontecer!!
- Mas isso é um mal que afecta toda a gente. As pessoas têm que ter liquidez suficiente para consumir aquilo que uma sociedade de consumo produz, senão o mercado não funciona. E não funcionando, tudo pára. Os stocks aumentam, as coisas não se vendem, as fábricas fecham por não haver quem compre, o desemprego aumenta ainda mais e tudo acaba por se transformar numa autêntica crise social, onde a maior parte se vê privada de rendimentos que permita ter uma vida com dignidade.
- E olha que uma crise social não vinha mesmo nada a calhar neste momento!
- Nem neste nem noutro. Mas digo-te uma coisa, se os governos não derem prioridade às pessoas, as coisas podem ficar demasiado tensas e dificilmente controláveis.
- Nesse caso a corrupção acaba por contribuir para dar aos menos abonados a possibilidade de também eles se aproximarem mais um bocadinho dos que tem muito.
- E mais facilmente num país onde a corrupção é quase sempre encarada como um comportamento natural de quem tem o poder de decidir.
- Sobretudo se for supostamente perpetrada em benefício de uma comunidade ou por alguém cuja reputação nunca foi contestada, muito pelo contrário.
- Portanto, se durante todo um percurso de sucesso, houver a tentação de aproveitamento da situação em benefício próprio, inferior ao proveito de todo um conjunto de interesses, apesar da condenação,  é considerado perfeitamente normal.
- Por isso é que se torna muito difícil de combater o fenómeno da corrupção. Há um ou outro caso que escapa e se torna numa verdadeira dor de cabeça, mas no geral as coisas acabam sempre por acontecer.
- Além disso, convém não esquecer que somos portugueses, muito dados ao improviso e à solução imediata, por vezes mais onerosa, mas com aquele sabor a pequena vitória do tipo "já te lixei" ou “já enganei outro”.
- E sempre à espera da gorjeta, da ajuda financeira do Estado, da oportunidade para ganhar uns cobres sem declara porque "o Estado é um ladrão" e "são todos uns comedores".
- Somo tipicamente latinos. Parece que nascemos no meio de tudo e não pertencemos a nada. Conseguimos ser invariavelmente aqueles a quem puxam sempre as orelhas.




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